sábado, 16 de novembro de 2013

Cavaco Silva apela a respeito por decisões do TC "aqui e lá fora". Não é "defender" a Constituição, é "defender" o Tribunal Constitucional. Temos de nos proteger do protectorado. O fim do euro.


Cavaco Silva apela a respeito por decisões do TC "aqui e lá fora"

Presidente deixou um claro recado a Durão Barroso e aconselha “alguns políticos” a estudar o significado de um segundo resgate e congratula-se com decisão da Irlanda de recusar programa cautelar.

O Presidente da República apelou esta sexta-feira a que se respeitem as decisões do Tribunal Constitucional "aqui" e "lá fora" e afirmou que seria "bom" que as forças políticas se entendessem sobre o Orçamento do Estado para 2014.

"Deixem o tribunal fazer o seu trabalho e respeitemos todos as suas decisões, aqui e lá fora", apelou Cavaco Silva, em Braga, à margem de uma visita ao mosteiro de S. Martinho de Tibães. O recado pode ser visto como destinado aos políticos portugueses, mas também a Durão Barroso, que na passada semana avisou que as decisões de inconstitucionalidade das medidas do programa de ajuda externa poderão ter consequências mais negativas em termos de crescimento económico e emprego e dificultar o regresso de Portugal ao financiamento no mercado.
Sobre a necessidade de consenso entre as várias forças políticas, Cavaco Silva apontou que as "mais variadas entidades" apelam a um entendimento porque "estão convencidos" que sem esse acordo no médio prazo a situação do país "será pior" no futuro. "Seria bom que as forças políticas se entendessem. Assistimos às mais variadas entidades a apelarem a um consenso político alargado, não é apenas o Presidente da República", apontou.
Cavaco fez mesmo um apelo. "Se não ouvem o Presidente da República, convido a darem ouvidos ao Conselho Económico e Social, onde estão patrões, sindicatos, universidades, onde estão instituições das mais variadas", disse.

Segundo resgate? Estudem o significado
O Presidente da República aconselhou também "alguns políticos" a "estudar" o significado de um segundo resgate da troika a Portugal porque tal implicaria sacrifícios "não menores" dos que os portugueses têm vindo a suportar. Cavaco Silva afirmou que é "muito importante" que Portugal tenha registado um crescimento positivo e que agora é necessário "consolidar" esse crescimento.
Questionado sobre o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que apontava a necessidade de mais sacrifícios em Portugal, o Presidente explicou que o que é de "valorizar" são as nove avaliações positivas da troika a Portugal e não "relatórios de técnicos" do FMI. "Alguns políticos ainda não estudaram bem o que significa um eventual segundo resgate. É bom que o façam", aconselhou Cavaco Silva porque, explicou, "não há a mínima dúvida que um segundo resgate implicaria sacrifícios não menores do que aqueles que os portugueses têm vindo a suportar".
O Presidente da República considera que o crescimento da economia portuguesa de 0,2% no terceiro trimestre é uma notícia "muito importante" mas avisa que não basta. "Até porque no segundo trimestre Portugal tinha registado um crescimento positivo, o mais elevado de toda a União Europeia. Agora cresceu 0,2%. Podíamos ambicionar mais mas foi maior do que o crescimento que se verificou na zona do Euro", disse. No entanto, alertou, agora o país tem que "consolidar esse crescimento".
Satisfação pela Irlanda
Cavaco Silva disse ainda que Portugal deve "regozijar-se" com a decisão da Irlanda em recusar um programa cautelar depois de terminado o período de ajustamento porque é a "prova de que a União Europeia pode ultrapassar as suas dificuldades".
Se Portugal se comparar com a Irlanda, o resultado é positivo para o nosso país mas, ainda assim, "a Irlanda tem mais apoio por parte dos mercados" do que Portugal, e o "grande desafio" do país é completar o programa de ajustamento com "sucesso". Nesse campo, Cavaco considera que Portugal até tem uma realidade mais favorável que a Irlanda. Porque "o défice orçamental é menor em Portugal do que na Irlanda, o valor da dívida pública é semelhante nos dois países, e o crescimento económico é semelhante nos dois países quando consideramos o PIB", apontou.
O Presidente questionou assim o porquê da diferença de tratamento entre os dois países adiantando explicações.
"Há uns autores que dizem que se deve ao facto do crescimento potencial da Irlanda ser maior do que o de Portugal; outros que se deve ao facto de o ambiente político e social na Irlanda ser menos crispado do que em Portugal; outros que é um pais anglo-saxónico; outros que é porque a Irlanda tem um forte apoio dos bancos americanos", referiu.

Não é "defender" a Constituição, é "defender" o Tribunal Constitucional

Em muitos momentos da História foi o falhanço do sistema judicial último que permitiu o fim das democracias.
Já que há por aí abundantes “pressões” para que o Tribunal Constitucional não aplique a Constituição, venho aqui “pressioná-lo” para que a aplique.
Não é por razões jurídicas, nem de interpretação constitucional, para que não pretendo ter competência, mas por razões de política e democracia, que é a razão suprema pela qual temos uma Constituição e um Tribunal Constitucional. É pela Constituição escrita e pela não escrita, aquela que consiste no pacto que a identidade nacional e a democracia significam para os portugueses como comunidade. É por razões fundadoras da nossa democracia e de todas as democracias e não conheço mais ponderosas razões que essas, porque são os fundamentos do nosso contrato social e político que estão em causa, muito para além das causas daqueles que se revêem na parte programática da Constituição.
Eu revejo-me em coisas mais fundamentais, mais simples e directas, que também a Constituição protege e de que, por péssimas razões, hoje o Tribunal Constitucional é o último baluarte. O Tribunal Constitucional é hoje esse último baluarte, o que por si só já é um péssimo sinal do estado da democracia, porque todas as outras instituições que deviam personificar o “bom funcionamento” da nossa democracia ou não estão a funcionar, ou estão a funcionar contra. Refiro-me ao Presidente da República, ao Parlamento e ao Governo. E refiro-me de forma mais ampla ao sistema político-partidário que está no poder e em parte na oposição. Quando falha tudo, o Tribunal Constitucional é o último baluarte antes da desobediência civil e do resto. Se me faço entender.
Há várias coisas que num país democrático não se podem admitir. Uma é a teorização de uma “inevitabilidade” que pretende matar a discussão e impor uma unicidade na decisão democrática. Tudo que é importante nunca se pode discutir. A nossa elite política fala com um sinistro à-vontade da perda de soberania, do protectorado, da “transmissão automática” de poderes do Parlamento para Bruxelas, sem que haja qualquer sobressalto nacional, até porque são aspectos de uma agenda escondida que nunca se pretende legitimar democraticamente, mesmo que atinja os fundamentos do que é sermos portugueses. É um problema para Portugal como país e para a União Europeia enquanto criação colectiva em nome da paz na Europa e que está igualmente presa numa agenda escondida, a que deu a Constituição Europeia disfarçada de Tratado de Lisboa, o Pacto Orçamental para “pôr em ordem” os países do Sul, e a que permite a hegemonia alemã e das suas políticas nacionais transformadas em Diktat. Uma parte da perda de democracia e da soberania em Portugal, com a constituição de uma elite colaboracionista, vem do contágio de uma União Europeia cada vez menos democrática.
Em nome de um “estado de emergência financeira” que umas vezes é dramatizado quando convém e outras trivializado quando convém, seja para justificar impostos, cortes de salários e pensões, na versão “estado de sítio”; ou para deitar os foguetes com o 1640 da saída da troika e do “milagre económico”, na versão “já saímos do programa”, considera-se que nada vale, nem leis, nem direitos, nem justiça social.
A teorização da “inevitabilidade” tem relação com a chantagem sobre o que se pode discutir ou não. Que um ministro irresponsável resolva avançar com números dos juros pré-resgate, isso só se deve à completa falta de autoridade do primeiro-ministro, traduzida na impunidade dos membros do Governo. Mas, quando se considera que os portugueses não devem discutir seja o resgate eventual, seja o chamado “programa cautelar”, está-se no limite de uma outra e mais perigosa impunidade: a de que os “donos do país”, a elite do poder, os cognoscenti, mais os seus consiglieri no sentido mafioso do termo, na alta advocacia e consultadoria financeira, o sector bancário e financeiro, o FMI, o BCE, a Comissão Europeia, podem decidir o que quiserem sobre os próximos dez ou 20 anos da vida dos portugueses sem que estes sejam alguma vez consultados. Aliás, é mais do que evidente que a pressão sobre o PS para que valide a política do Governo e da troika, e que assuma compromissos de fundo com um “programa cautelar”, que pelos vistos antes existia, mas agora não existe, destina-se a tirar qualquer valor ao voto dos portugueses. A ideia é que votando-se seja em quem for, a não ser que houvesse uma maioria PCP-BE, a política seria sempre a mesma. Esta transformação das eleições e do voto em actos simbólicos de mudança de clientelas, sem efeito sobre as políticas, é o ideal para os nossos mandantes e para os nossos mandados, e é uma das suas mais perigosas consequências.
Eu revejo-me numa democracia que assente num pacto social, justo e redistributivo, que é a essência do conteúdo do programa do PSD e do pensamento genético de Sá Carneiro, que se traduz numa sociedade em que a “confiança” garanta os contratos, seja para o mundo do trabalho, dos pensionistas e reformados, como o é para a defesa da propriedade contra o confisco. O que não aceito é que se considere que a “confiança” valha apenas para os contratos “blindados” das PPP, para os contratos swaps, para proteger os bancos, para dar condições leoninas nas privatizações e taxas disfarçadas para garantir que um governo que prometeu privatizar a RTP faça os portugueses pagar mais para controlar parte da comunicação social. Ora, escrito ou não escrito na Constituição, o espírito de uma Constituição de um país democrático tem de proteger esses princípios, que são mais do que isso, são valores numa democracia.
Fora disso, o que há é uma lei da selva que a equipa de velhos ricos habilidosos, dedicados a proteger a “família” e as suas posses, habituados a mandar em todos os governos, em coligação com meia dúzia de yuppies com retorno assegurado a todos os bancos e consultoras financeiras, e com uma classe política de carreira, deslumbrada e ignorante, todos entendem que nessa selva são grandes predadores e que se vão “safar”. Habituados à lei da força do dinheiro, da cunha, da “protecção” e da impunidade, eles querem atravessar os dire straits da actual situação com o menor custo possível. Um aspecto decisivo desta lei da selva é a desprotecção dos mais fracos, daqueles cuja vida pode ser destruída por despacho, os expendables, aqueles cujos direitos são sempre um abuso, e para quem as garantias não estão “blindadas”. Se o Tribunal Constitucional não nos defende do retorno a esta lei da selva, todos os dias vertida em leis escritas por aqueles que acham que estão acima das leis, então ninguém a não ser a força nos defende do abuso da força. Que se chegue a este dilema é o pior que se pode dizer dos dias de hoje.
Eu sou a favor de uma revisão constitucional profunda. Muito daquilo que a esquerda louva na Constituição, por mim não deveria lá estar. Acho o Preâmbulo absurdo. Sou contra a “universalidade” da “gratuitidade”, mesmo nesse eufemismo do “tendencialmente gratuito”. Tinha preferido que, após o memorando, PS e PSD tivessem mudado a Constituição, permitindo que na Educação e na Saúde quem mais recursos tivesse mais pagasse, até se chegar nalguns casos aos custos reais, mesmo que isso significasse acrescentar novos ónus à função redistributiva dos impostos dos que mais rendimentos têm. Entendo que a ideia de “universalidade” e “gratuitidade” é puramente ideológica, mas socialmente injusta e que algumas alternativas às políticas “inevitáveis” passassem por aí. Por isso, quem isto escreve não o está a fazer em defesa de muito que está na Constituição, ou se pensava que estava, visto que já se viu que a Constituição protege menos do que o que se dizia. Esse equilíbrio, resultado de decisões moderadas do Tribunal Constitucional e que, contrariamente ao que o Governo diz, têm em conta a situação financeira actual, torna ainda mais vital que um núcleo duro de direitos e garantias permaneça intocável.
A principal decisão do Tribunal Constitucional, seja sobre que matéria for das que lhe forem enviadas, sejam as pensões, as reformas, os salários, seja a legislação laboral, seja a “convergência” do público e privado, seja o que for, terá sempre um essencial pressuposto anterior: está o Tribunal Constitucional disposto a permitir o “vale tudo” que lhe é exigido pelo Governo e os seus amigos nacionais e internacionais, ou coloca-lhe um travão em nome da lei e da democracia?
É a mais política das decisões? É. E em muitos momentos da História foi o falhanço do sistema judicial último que permitiu o fim das democracias. O melhor exemplo foi o da Alemanha diante dos nazis e do seu ostensivo desprezo pela lei face à força.

Historiador

Temos de nos proteger do protectorado

Não se pode aceitar que a expressão "protectorado" seja utilizada por membros do Governo

1. Seixas da Costa, numa entrevista ao Diário Económico de ontem, disse não se rever na expressão protectorado. Nem ele, nem eu.
Naturalmente e antes do mais, porque a expressão "protectorado", na situação actual do Estado português, é desprovida de qualquer rigor técnico ou propriedade jurídica. Compreende-se e tolera-se que ela possa ser usada, como imagem ou metáfora, por analistas, por comentadores e por actores políticos "empenhados" ou "interessados" numa certa banda da luta política. Mas, nas actuais condições, já não pode aceitar-se tranquila e pacificamente que ela seja utilizada por altos dignitários do Estado português, designadamente por membros do Governo e, muito em especial, por governantes com directas responsabilidades na área ou em áreas das relações externas. O conceito de "protectorado" arrasta atrás de si um lastro jurídico-internacional, constitucional e político de tal monta que o seu emprego por entidades oficiais, cujas declarações, de um modo ou outro, vinculam ou afectam o Estado português, não parece de todo curial.

2. Não correspondendo, nem de perto nem de longe, a nossa presente situação ao estatuto próprio dos chamados "protectorados", logo se entrevêem os efeitos altamente perniciosos e nefastos da sua utilização ou até da "banalização" do seu uso. Havendo, sem dúvida, uma situação de enorme fragilidade financeira do Estado português, que obviamente condiciona e limita a sua capacidade de "autodeterminação" e de "auto-afirmação" na esfera interna e na esfera externa, o recurso à ideia de "protectorado" arrisca-se a ter o valor de uma "profecia que se cumpre a si mesma" (self-fullfilling prophecy). O penoso quadro de resgate financeiro em que nos encontramos não tem, na verdade, paralelo ou semelhança com aquilo que, numa doutrina internacional já fartamente claudicante, nos habituamos a designar por "protectorado". Mas, evidentemente, o simples facto de autoridades nacionais, em pleno e legítimo exercício de funções, adoptarem essa qualificação contribui, de imediato, para que nos "aproximemos" da realidade que a dita qualificação evoca. Seja, por um lado, por um fenómeno de "interiorização" autocomplacente pela comunidade nacional, seja, por outro lado, pelo sinal que se dá aos parceiros externos, aos credores e à comunidade internacional. Na verdade, cumpre perguntar: como nos verão a China, o Canadá, a Sérvia, o Egipto, a Islândia, o Brasil ou Angola, se nós nos "autodefinimos" como "protectorado"? Se há um país, plenamente integrado na ordem internacional, que diz de si mesmo que não passa de um "protectorado", como achamos nós que os restantes membros dessa ordem o irão percepcionar? É por de mais ostensivo que a assunção, por banda de responsáveis oficiais portugueses, de que somos ou, ao menos, nos assemelhamos a um "protectorado" debilita e fragiliza a nossa posição negocial e a nossa capacidade de afirmação internacional. Um Estado para ser respeitado e se dar ao respeito há-de naturalmente começar por ter respeito próprio...

3. Mas o rol de corolários e consequências negativas do uso e abuso deste epíteto não se queda por aqui. A interiorização do estatuto político-internacional de "protectorado" também serve para desresponsabilizar as autoridades portuguesas nas duríssimas e exigentes negociações que ocorrem no período de resgate e na execução do programa de ajustamento. Quando se assume, a plenos pulmões, a natureza de "protectorado", confessa-se, de uma assentada, uma capitis diminutio para negociar e barganhar com as entidades credoras e os seus representantes. E, ao mesmo tempo, passa-se a ideia à comunidade nacional de que as autoridades legítimas, por manifesta impotência, não terão nenhuma responsabilidade no desenho e na conformação das medidas a levar a cabo. Postas as coisas de outra maneira, intercede aqui um duplo efeito negativo: o estabelecimento, à partida, de uma posição de inferioridade que só pode dificultar a actividade negocial e a diminuição da pressão e da influência da opinião pública sobre as autoridades que necessariamente vai enfraquecer o respectivo peso nas ditas negociações. Mesmo que, com o apelo ao conceito de "protectorado", se queira dar uma imagem, mais viva ou mais pálida, da situação de adopção compulsiva (e não voluntária) de muitas medidas e de algumas políticas, a verdade é que nada se ganha com ela. Muito pelo contrário...

4. Acresce a tudo isto - mas são já contas de outro rosário - que o recurso à expressão "protectorado" visa afinal, e um tanto contraditoriamente, não tanto a descrição da realidade presente, mas o dia da "vitória final", o dia da "libertação", o dia da "reconquista da soberania". O que faz incorrer os mais incautos - e que somos quase todos - em dois equívocos.
O primeiro é o de que, acabado o período de resgate, seremos donos e senhores dos nossos destinos, à velha e relha maneira soberana. Ora, sabemos bem que o fim do programa de ajustamento não será um momento "mítico-mágico" em que tudo mudará e a dívida se apagará. E que haverá um longo e sério período de transição... para qual também convirá, diga-se à laia de ironia, encontrar uma "etiqueta" adequada.
E o segundo equívoco - bem mais grave, fundo e cavado que o primeiro - é o de que vivemos ainda numa ordem internacional, pautada por uma rede de Estados iguais e soberanos. A ordem internacional é hoje uma sociedade altamente complexa, composta por sujeitos com o mais variado recorte e natureza, profundamente desterritorializada e desigual, onde o conceito clássico de soberania já não tem préstimo e o de Estado está em grande mutação. E não tendo o conceito de soberania verdadeiro préstimo, carece de sentido um dos seus derivados, o conceito de "protectorado".
Mais do que ser protegidos, temos de nos proteger. E desde logo havemos de nos proteger desse "conceito-espectro" do protectorado.

Eurodeputado (PSD). Escreve à terça-feira 


O fim do euro

François Heisbourg tem razão: o balanço político do euro é, para não dizer mais, uma desilusão e a inércia pode destruir não só a União Europeia
A União Europeia e o euro são gémeos, criados pelo Presidente François Mitterrand e pelo chanceler Helmut Kohl para ultrapassar a oposição francesa à unificação alemã e definir os termos de referência da nova aliança entre a Alemanha e a França nas vésperas do fim da Guerra Fria.
Na visão do Presidente socialista e do chanceler democrata-cristão, o euro devia, por um lado, garantir a convergência económica entre os Estados-membros e uma crescente competitividade internacional da União Europeia e, por outro lado, abrir caminho para uma união política, indispensável para restaurar a Europa Ocidental como um dos pólos do sistema internacional, bem como para assegurar as condições políticas e institucionais de funcionamento da moeda única. O caso da República Federal, em que a criação do Bundesbank e do novo marco tinham precedido a aprovação de lei fundamental e a reconstituição do Estado alemão, antecipava o sucesso dos dois gémeos.
No seu último livro – La fin du rêve européen – François Heisbourg, presidente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, apresenta o balanço do projecto franco-alemão. Em primeiro lugar, o euro é uma das causas da crise das dívidas soberanas na União Europeia, que acentuou tanto as divergências no crescimento dos Estados- membros, como a separação entre os seus modelos económicos. Em segundo lugar, o euro e a resposta à crise da moeda europeia revelaram-se um obstáculo ao regresso do crescimento e, mesmo quando houver uma retoma limitada, não vai ser possível inverter a divergência entre as economias excedentárias do centro e os países deficitários das periferias na ausência de uma união de transferências, que pressupõe a existência de uma união federal. Em terceiro lugar, o euro e a crise do euro estão a pôr em causa a legitimidade da União Europeia, como resulta da perda de confiança geral nas suas instituições, enquanto a Europa federal, dez anos depois da Convenção Europeia e do Tratado Constitucional, se tornou um projecto arcaico rejeitado por todos, ou quase todos. O seu balanço do projecto europeu no último quarto de século é implacável: “Nem união política, nem funcionamento eficaz da moeda única.”
François Heisbourg considera o euro como a causa do problema europeu e a sua prioridade é salvar a União Europeia da moeda única. Contra a posição de chanceler Angela Merkel e do antigo Presidente Nicolas Sarkozy, que concordaram em afirmar que o fim do euro seria o fim da União Europeia, François Heisbourg propõe uma iniciativa conjunta da França e da Alemanha para declarar o fim do euro e o regresso às moedas nacionais, em nome da continuidade (e da integridade) da União Europeia.
François Heisbourg tem o mérito, cada vez mais raro, de tratar dos problemas reais. O seu modelo evoca, sem a referir, a estratégia de Pierre Mendès-France, que deixou morrer a Comunidade de Defesa Europeia, correndo o risco anunciado de uma dupla ruptura das Comunidades Europeias e da Aliança Atlântica. O projecto de Jean Monnet sobre a defesa europeia tinha de desaparecer para a dupla aliança entre a França e a Alemanha e entre os Estados Unidos e as democracias ocidentais poder sobreviver. Mas quem resolveu a primeira crise existencial da integração europeia foi o Reino Unido, tal como a segunda, no momento da reunificação alemã, foi resolvida pelos Estados Unidos, antes do pacto Kohl-Mitterrand.
A falha maior da estratégia enunciada por François Heisbourg está na ausência dos Estados Unidos e a dificuldade de garantir a sua presença é real. Mais importante, a probabilidade de realizar com sucesso uma estratégia de ruptura controlada para separar a União Europeia do euro parece mínima e uma ruptura descontrolada pode provocar a repetição da Grande Depressão que foi possível evitar nos últimos cinco anos, embora com custos muito elevados, nomeadamente para Portugal, para a Irlanda e para a Grécia, isolados na primeira linha da resposta à crise europeia.
Dito isso, no essencial, François Heisbourg tem razão: o balanço político do euro é, para não dizer mais, uma desilusão e a inércia pode destruir não só a União Europeia, como o ideal europeu, que continua a ser um pilar insubstituível da legitimidade das democracias na Europa continental.

Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

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