sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Caso da semana: Esbracejar à esquerda


Caso da semana: Esbracejar à esquerda
Nuno Ribeiro
23 nov 2013 / Público


Não é mau querer inovar. Aliás, a política carece de novidade. Não é por acaso que entre eleitores e eleitos há um muro. A monotonia passa pelas tácticas. Nada melhor do que criar um inimigo externo. Nas suas mais diversas declinações. Das forças de bloqueio, difusas na formulação mas assertivas no alvo, o Tribunal Constitucional. Sendo que, da nebulosa da conspiração, se passa a uma guerra institucional – o que não é de somenos. Os actuais partidos não têm o monopólio da verdade. São exclusivos representantes da vontade popular até que outros desafiem a sua comodidade. Não há democracia sem partidos, é certo. Mas a partidocracia, o mau uso da vida partidária na acção política, provoca claustrofobia democrática. Daí que os cidadãos tenham preferido convocatórias sem siglas para manifestar o seu descontentamento. Em 15 de Setembro de 2012, como em 12 de Março de 2011, contra Passos Coelho e contra José Sócrates, foi realidade um protesto transversal que superou clivagens partidárias, barreiras sociais ou o histórico de cada sector. Já houve quem fizesse de questões fracturantes programa. Mas havia causas, o que implica escolhas, com dilemas que penetraram na sociedade. Lançar um partido com um cálculo geométrico de apanhar a esquerda do PS, a direita do Bloco ou o centro dos outros é querer imortalizar a dialéctica da vida numa foto fixa. É um esbracejar. À esquerda. 

As fantasias do costume

Desde o princípio do regime democrático que sempre houve a tentação de criar um partido novo com os “desiludidos” do PS e do PC e, mais recentemente, com os “desiludidos” do PS, do PC e do Bloco.
 24 nov 2013 / Público / Vasco Pulido Valente

Escusado será dizer que a repetição dessa história não trouxe qualquer modéstia ou senso aos putativos salvadores do “socialismo”. Durante o PREC eram, pelo menos, gente que tinha combatido a Ditadura e que passara pela cadeia e pelo exílio. Se muitas vezes se achavam os verdadeiros depositários do marxismo-leninismo na sua virginal pureza, pagavam com a pele essa fantasia, coisa que não fizeram ou se arriscaram a fazer os que apareceram depois, mestres da intriga e da publicidade, que manobravam no conforto de uma democracia pacífica e de empregos seguros.
Nunca nenhum deles percebeu que um partido exigia dinheiro: dinheiro para sedes, para funcionários, para telefones, para carros, para propaganda. Pertenciam na maior parte à “inteligência” urbana (à universidade, ao funcionalismo, às profissões “liberais”), não sabiam onde ficava Figueiró dos Vinhos e traziam como toda a bagagem meia dúzia de “ideias”, que não se distinguiam nem pela originalidade, nem pela pertinência. Ao fim de pouco tempo, de umas conversas na “net” e de umas fotografias nos jornais (raramente conseguiam chegar à televisão), arranjavam maneira, quando arranjavam, de se apresentar a eleições que perdiam miseravelmente ou de que extraíam, como o Bloco, uns lugares na Assembleia da República, para vociferar às “massas”.


O partido que Rui Tavares resolveu fundar para salvação da Esquerda e da Pátria não é muito diferente do modelo tradicional. Pelo que se vai lendo aqui e ali, pretende unificar ou expandir a esquerda à custa de uns tantos “descontentes” do Bloco, do PS e até do PC. Aspira a uma posição “no meio” dessas tropas, sem disciplina e sem programa, e pela panaceia da discussão livre (daí o nome de Partido Livre) extrair a unidade e a autoridade que possa correr com a direita e tomar solidamente conta do Estado. A velha confusão entre um seminário sobre socialismo e um aparelho rígido, capaz de usar o poder com eficácia e dirigir a sociedade, está na raiz deste inominável disparate. O “Partido Livre” não irá longe. Mas presumo que vai divertir os suspeitos do costume e o seu glorioso guia.

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