quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A fraude está por todo o lado, os fiscais não. Fraude custa mais de oito milhões por ano aos transportes públicos de Lisboa.


Fraude custa mais de oito milhões por ano aos transportes públicos de Lisboa



Relatório encomendado pelo Governo revela que a Carris é a empresa mais afectada na Grande Lisboa. Está em preparação um estudo sobre a fraude nos transportes públicos do Porto, onde o nível de fraudes terá aumentado 78% de 2011 para 2012
A fraude está a custar mais de oito milhões de euros por ano aos transportes públicos de Lisboa. Um estudo encomendado pelo Governo mostra que a taxa máxima de infracção chega a 59% numa carreira da Carris, a empresa mais penalizada por funcionar em rede aberta. Perante estes resultados, vão ser pedidas medidas urgentes às administrações das transportadoras do Estado e negociadas com o fisco soluções para aumentar a eficácia da cobrança de multas.
O relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, foi realizado pela Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa (AMTL) entre Maio e Agosto, por meio da observação directa da utilização dos serviços da Carris, do Metro de Lisboa e de duas estações da CP que têm entrada fechada (Rossio e Cais do Sodré).
Das três empresas, a Carris é a mais penalizada. O estudo conclui que a taxa média de fraude na rede pública de autocarros da capital é de 15,2%, já que nas 35.014 observações realizadas foram detectados 5307 passageiros sem título de transporte válido.
Mas os níveis de infracção atingem patamares muito mais elevados em algumas carreiras (na 15, 793 e 794 a taxa média ultrapassa os 30%). E há determinados dias e horas em que as percentagens disparam: a carreira 794 chegou a alcançar um patamar de 59% numa observação feita no período da tarde, em Junho.
Estes resultados contrastam com os dados que têm vindo ser divulgados pela Carris. Recentemente, a empresa referiu ao PÚBLICO que, no primeiro semestre, a taxa de fraude detectada rondou os 5,09%. Além disso, são reveladores do hiato que existe entre o transporte público e o privado. O estudo da AMTL também analisou as taxas de fraude de três operadores rodoviários privados da Grande Lisboa (Rodoviária de Lisboa, Vimeca e Transportes Sul do Tejo) e conclui que, nas 17 carreiras analisadas, a taxa média de fraude ronda os 3% (cinco vezes menos do que os níveis na Carris).
CP e Porto em análise
No relatório, a AMTL estima que a fraude na Carris está a provocar prejuízos mensais superiores a 400 mil euros, o que significa que o impacto negativo nas contas poderá superar os cinco milhões de euros ao final de um ano. A este valor somam-se os efeitos negativos destas infracções no Metro de Lisboa (que o estudo calcula em cerca de um milhão de euros anuais). E, na CP, estima-se que a perda de receitas atinja 2,5 milhões anualmente. Assim, a fraude está a custar mais de oito milhões de euros por ano nestas três transportadoras públicas de Lisboa.
Nas duas últimas empresas os níveis de infracção detectados no relatório são muito inferiores aos encontrados na Carris por dois motivos: no Metro de Lisboa a rede é fechada (a entrada é controlada por meio de portas automáticas) e na CP a validação não é feita dentro dos comboios, como acontece nos autocarros, pelo que o trabalho de campo só foi realizado em duas estações.
No que se refere ao Metro de Lisboa, o estudo concluiu que a taxa média de fraude nas 18 estações analisadas (cerca de 35% do total) se situa em 1,1%, apesar de haver casos em que ultrapassa os 2%, como acontece em Odivelas, Aeroporto e Senhor Roubado. Já nas duas estações da CP observadas, Rossio e Cais do Sodré, o nível de infracção fixou-se em 2,3%.
No relatório explica-se que "a dimensão e complexidade da rede" desta transportadora "não permitiram a identificação de um valor para a fraude sustentado numa amostra de maior dimensão". A AMTL ainda está a preparar uma análise mais aprofundada sobre a situação da empresa.
O mesmo está acontecer no Porto, onde a autoridade metropolitana da região está igualmente a preparar um estudo sobre a fraude na Metro do Porto e na STCP. Em Setembro, a primeira transportadora pública referiu ao PÚBLICO que o nível de fraudes aumentou 78% de 2011 para 2012.
Nas conclusões do relatório, a AMTL alerta o Governo para a necessidade de "reforço da fiscalização", mas avisa que este passo terá de ser acompanhado por um "aumento de capacidade de cobrança efectiva das coimas", sem o qual a primeira medida "se revelará pouco eficaz".
Estes dois pontos têm sido apontados como cruciais para travar a fraude, que o Governo acredita ser uma das principais causas para a perda de passageiros nos transportes públicos. No primeiro semestre, estas empresas venderam menos 34 milhões de bilhetes face ao mesmo período de 2012. Mas há outros factores importantes, como os impactos que o desemprego tem tido na mobilidade e os sucessivos aumentos de preços.
Ontem, à margem da cerimónia de comemoração dos 141 anos da Carris e depois de ter anunciado a existência do relatório da AMTL, o secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações afirmou aos jornalistas que os resultados serão agora enviados aos diferentes conselhos de administração das empresas, para que estes "proponham medidas" de combate à fraude.
Diferendo com o fisco
Sérgio Monteiro fez ainda referência às negociações que começaram no ano passado com a Autoridade Tributária e Aduaneira com o objectivo de alterar o sistema de cobrança de multas, hoje nas mãos do Instituto da Mobilidade e dos Transportes. "Havia um diferendo quanto à dimensão do problema", que o governante acredita que o relatório da AMTL será capaz de resolver. A intenção é que o fisco passe a cobrar as coimas, como já acontece actualmente nas portagens.
Todas estas medidas deverão estar no terreno antes de o Governo avançar com a concessão dos transportes públicos a privados, operação que está prevista para 2014. Um tema que tem sido central na campanha para as autárquicas. Tanto António Costa (PS) como Fernando Seara (PSD), que são candidatos à Câmara Municipal de Lisboa, têm defendido uma maior intervenção dos municípios na gestão destas empresas de transporte e contestado a sucessiva perda de passageiros.



A fraude está por todo o lado, os fiscais não


Há os que se colam sem misericórdia ao passageiro da frente para passar nas portas do metro sem pagar. Há os do costume, que os fiscais já tratam pelo nome. Há os "gravatas", a alcunha usada para os clientes que parecem saídos de uma importante reunião de trabalho, mas nunca trazem bilhete válido. Há os que repentinamente fazem marcha atrás quando reparam que há uma brigada à espreita. E também há muitos reformados a levar autos de infracção para casa.
Nas acções de fiscalização da Carris e do Metro de Lisboa, não há propriamente tempo para descanso. Os fiscais estão treinados para demorar o mínimo de tempo possível com cada passageiro. Juntam-se em grupos de três, quatro ou cinco. O número possível, tendo em conta que nas duas empresas existem menos de 50 trabalhadores com estas funções - o que, tendo em conta os dados de tráfego de 2012, dá uma média de 6,7 milhões de validações por cada fiscal.
É por isso que, nestas duas transportadoras públicas, a incidência destas brigadas é mínima. No Metro de Lisboa, a taxa de fiscalização sobre o total de passageiros é de 0,9% e na Carris a percentagem desce para 0,2%. As empresas tentam sempre que agentes da PSP acompanhem estas acções. É que os casos de agressão não são assim tão raros. Por ali, contam-se histórias de trabalhadores esfaqueados, agredidos ao ponto de terem de ficar de baixa médica. A presença da polícia ajuda a arrefecer os ânimos e acredita-se que terá um efeito dissuasor de futuras infracções. Há sempre um agente à paisana nas redondezas, caso seja necessário intervir.
"Às vezes as pessoas são agressivas ou fogem. Também tentam oferecer dinheiro [para escapar à multa]", conta Alípio Oliveira, um dos coordenadores da fiscalização do Metro de Lisboa (onde trabalha há 23 anos). Há sempre um fiscal que tem a função de "vigiar os retrocessos" - o termo que usam para os passageiros que se põem em fuga quando se apercebem que é dia de brigada. Quando a PSP está por perto, é mais fácil serem interceptados.
A experiência é útil, mas consegue ser enganadora. Alípio Oliveira diz que "é fácil detectar quem está em fraude" só pela forma como olham [ou melhor, desviam o olhar] para os fiscais". Mas também há situações em que os passageiros surpreendem. "Às vezes temos certeza que não trazem bilhete válido e enganamo-nos." Pode ser o cliente do lado que está em infracção, admite.
O que mudou nos últimos tempos? "Há alguns anos, eram mais os jovens ou as pessoas com claras dificuldades económicas que cometiam fraude, mas agora temos cada vez mais idosos nessa situação", conta.
A miscelânea de passageiros que arriscam a infracção é mais acentuada na Carris, que tem optado por fazer acções de fiscalização em que os autocarros são completamente imobilizados a poucos metros da paragem. Entre os fiscais, há regras de ouro para evitar males maiores. Ninguém se trata pelo nome verdadeiro. A partir do momento em que a brigada avança, passam todos a chamar-se João "para não ficarem marcados", conta um dos trabalhadores. Também há sinais estudados para as situações de risco: se é preciso sair rapidamente do autocarro ou chamar a polícia para levar um cliente para a esquadra.
O que se lamenta é que, feita a fiscalização, o processo deixe de ser controlado pelas empresas e passe inteiramente para as mãos do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), quando as multas não são pagas directamente à transportadora, no espaço de cinco dias.

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