segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Um clamor justo mas ineficaz contra o fogo. Ardeu mais floresta neste Agosto do que em todo o ano de 2007 ou de 2008.

Um clamor justo mas ineficaz contra o fogo

Editorial/Público
Enquanto os bombeiros tiverem mais protagonismo do que os silvicultores, nada travará os fogos
O aumento da temperatura nas zonas onde se encontram os principais espaços florestais acentuou o sentimento de impotência com que o país assiste à devastação dos incêndios. Quando, num único dia, como no domingo passado, se registam 362 incêndios, não há dispositivo de combate capaz de os enfrentar. Quando há fogos que duram dias seguidos e se estendem por vastas áreas acidentadas, não há meios humanos, viaturas ou aviões capazes de os conter. Sempre que o efeito climático gerou situações de descontrolo e de impotência como as que se viveram nos últimos dias, sobrou sempre oportunidade para a crítica à estratégia de combate, para se reclamar a intervenção do exército ou para se agravarem as penas aos pirómanos. Esse clamor dos cidadãos que exprime indignação, desespero e solidariedade é natural e compreensível. Mas não será com gestos emotivos e circunstanciais que se termina o flagelo dos incêndios. De uma vez por todas, é importante que os bombeiros cedam o seu protagonismo aos silvicultores e aos especialistas em política florestal. Enquanto se gastar quatro vezes mais dinheiro no combate do que na prevenção e gestão florestal, o país continuará condenado ao drama estival de sempre. O que se exige é uma tarefa ciclópica, que passa pela reconstrução dos serviços florestais dizimados pelo voluntarismo ou pela incúria de sucessivos governos, pelo avanço de um cadastro florestal que determine quem é o dono de facto de cerca de um terço da floresta e por uma política fiscal que penalize duramente quem deixar a floresta ao abandono. Mesmo assim, não se acredite que, face às características da floresta nacional, haverá um dia verões sem fogos. Mas se o país for capaz de evitar que, num único mês, ardam 40 mil hectares, terá então ganho a primeira batalha para preservar um dos seus mais valiosos recursos ambientais e económicos. 

O risco máximo de incêndio agrava-se hoje e amanhã e os bombeiros avisam que o cansaço é neste momento o seu maior inimigo

Ardeu mais floresta neste Agosto do que em todo o ano de 2007 ou de 2008

Dados do Sistema Europeu de Informação mostram que este mês já arderam mais de 40 mil hectares de floresta. Dispositivo de combate no limite
Só no mês de Agosto já arderam mais de 40 mil hectares de floresta, segundo os dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (conhecido pela sigla EFFIS), que, através de imagens de satélite, contabiliza quase em tempo real a área ardida. O valor é superior ao total destruído em 2007 e também em 2008. A sucessão e a duração dos incêndios dos últimos dias estão a deixar os combatentes exaustos e os responsáveis da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários (APBV) afirmam que o dispositivo de combate está no limite.
Prova disso foi o dia de anteontem, que registou o mais elevado número de ignições de Agosto, 362 ocorrências, que foram resolvidas por quase 7500 combatentes, um número não muito distante dos 9.337 elementos disponíveis na fase mais crítica dos fogos. Isto tendo em conta a necessidade de rotação dos operacionais.
Ontem, o cenário continuava complicado. Às 20h, a página da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) dava conta de um cenário preocupante (ver texto na página 5). Face a esta vaga de fogos, o Ministério da Administração Interna anunciou ontem um reforço dos meios financeiros para que a ANPC pague urgentemente às corporações despesas com combustível e com a alimentação dos bombeiros.
Mais calor
O tempo ainda não parece querer dar tréguas. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera dá conta que o risco máximo de incêndio se vai alargar de 11 para 20 concelhos de ontem para hoje, nas regiões Norte e Centro. Amanhã, a situação ainda se vai agravar, subindo para 28 o número de concelhos a atingir o nível mais elevado de risco. A meteorologista Cristina Simões afirma que o risco se manterá alto no Norte, onde o céu se vai manter limpo esta semana. "Na Zona Norte, irão persistir as temperaturas elevadas e os ventos de leste, quentes e secos", refere. No Centro e no Sul, há possibilidade de chuva entre amanhã e quinta-feira, o que poderá tranquilizar as equipas de combate.
O presidente da APBV garante que tem havido muitas falhas na rendição dos bombeiros e na sua alimentação e sugere que as Forças Armadas sejam chamadas a intervir na logística do combate. "As pessoas estão cansadas, não dormem, não comem e não são rendidas. O cansaço neste momento é o nosso pior inimigo", sublinha Rui Moreira da Silva. O dirigente lamenta que ainda sejam as populações a alimentar os bombeiros, que, muitas vezes, são obrigados a descansar em cima das viaturas. "Devíamos ter vergonha por ainda não termos resolvido os problemas de logística", realça. As Forças Armadas, precisa, poderiam montar cozinhas e tendas de campanha, além de corredores de chuveiros. "O Exército tem a máquina pronta e oleada. Isso permitiria ter uma zona de reserva onde os operacionais comeriam, podiam tomar um banho e descansar. Depois voltariam ao combate", defende Rui Moreira da Silva.
Por vezes não faltam meios no combate, mas há quem se queixe da descoordenação no terreno. Neste caso, o protesto chega em forma de desabafo, no blogue Diário de um Bombeiro. Daniel Pedro, dos Bombeiros Municipais da Lousã, conta que chegou sábado às 20h30 a Tondela, para ajudar a combater o fogo na serra do Caramulo, integrado no Grupo de Reforço para Incêndios Florestais (GRIF) do distrito de Coimbra. Mas ajuda, diz, deu pouca. Primeiro ficaram à espera na estrada. "Às 00h00, todo o GRIF foi levado para o parque industrial, onde permanecemos até às oito e tal, 9h. Em seguida, fomos para o campo de futebol, onde estivemos até às 12h sem fazer nada", relata o bombeiro.
Daniel Pedro conta que estavam há mais de quinze horas em Tondela, quando surgiu uma comunicação do posto de comando a referir que, caso as equipas de duas viaturas ligeiras estivessem cansadas, "estavam a chegar outras viaturas ligeiras ao teatro de operações que poderiam ir fazer o serviço". Foram fazer o rescaldo e pelas 16h já estavam a almoçar, para seguirem de regresso. O bombeiro da Lousã sublinha, contudo, que nem todos tiveram a mesma "sorte", dando como exemplo o grupo de reforço de Leiria. "Posso dizer que comi muito bem, mas trabalho não apareceu, e não foi por não o haver!", conclui Daniel Pedro.
O presidente da APBV lamenta estas situações e mostra-se preocupado com as deslocações dos grupos de reforço. "Não podemos ter bombeiros que estiveram dois a três dias a combater e depois têm de fazer viagens de 300 a 400 quilómetros", critica. Por isso, insiste que, com os combatentes, deve ir um motorista que apenas conduz a viatura.
O presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, Fernando Curto, defende que, nesta fase, a estratégia de combate deveria mudar. "Os comandantes têm que começar a fazer um combate mais defensivo. Devem derrubar-se árvores, abrir clareiras e colocar os bombeiros a combater com mais segurança", sustenta. O dirigente teme que morram mais operacionais se se mantiver o ritmo dos últimos dias. "Não podemos continuar a arriscar a vida dos bombeiros", afirma. "Com a intensidade que temos visto nos fogos", continua, "os bombeiros não podem estar mais de quatro horas seguidas a combater".
O EFFIS regista fogos com áreas ardidas superiores a 20 hectares e mostra que desde o início de Agosto já ocorreram em Portugal 12 incêndios com mais de mil hectares cada. Desde o início do ano, o EFFIS contabiliza mais de 61 mil hectares ardidos em Portugal. Até 15 de Agosto, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas somava apenas 31 mil hectares ardidos.


Bombeiros lutam contra 250 fogos

A Autoridade Nacional de Protecção Civil registava às 20h00 dez incêndios de grande dimensão activos, com particular incidência no Norte do país. Como já tinha acontecido no domingo, as autoridades tinham contabilizado um elevado número de ignições motivado pelas temperaturas elevadas que se fizeram sentir no interior. Até às 20h00, tinham sido registadas no comando nacional da protecção Civil 263 ocorrências - no domingo tinham-se verificado 362.
A meio da tarde, mais de 750 bombeiros apoiados por quase 200 veículos combatiam quatro incêndios de grandes proporções, de acordo com a informação disponível no site da Autoridade Nacional de Protecção Civil. O maior incêndio, com quatro frentes activas, começou no domingo de manhã e lavrava numa zona no distrito de Viseu, concelho de Oliveira de Frades, entre Feitalinho e Arcozelo das Maias (ver texto na página ao lado). À hora do fecho desta edição as chamas tinham-se aproximado da A25 e ameaçavam a segurança da circulação rodoviária.
Outra região muito afectada pelos fogos foi o distrito de Vila Real, onde a meio tarde lavravam dois incêndios de grandes dimensões. No concelho da Régua as chamas acabariam por ser controladas a meio da tarde. O incêndio que mais preocupação tinha causado aos bombeiros, o que desde sábado estava activo no concelho de Valpaços, também acabaria por ser dominado.
Para lá do fogo de Oliveira de Frades, os bombeiros concentravam as suas principais preocupações e meios em incêndios nos concelhos de Monção, Amarante, Resende, Cabeceiras de Basto, Vila Nova de Cerveira e Arcos de Valdevez.

Formação

Falta reciclar conhecimentos
T odos os bombeiros que vão para os fogos têm pelo menos 250 horas de formação inicial, das quais 50 dizem respeito exclusivamente a incêndios florestais. Ao longo do tempo, vão acumulando experiência e horas de instrução nos quartéis. No entanto, "há uma reciclagem de conhecimentos que não está a ser feita", denuncia o presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, Fernando Curto. Para este responsável, a falha verifica-se sobretudo com os voluntários (cerca de 22 mil), que não podem frequentar os cursos da Escola Nacional de Bombeiros (ENB) em horário laboral.

"A ENB não dá resposta, não satisfaz a quantidade de formação necessária", critica Curto, recordando o que Domingos Xavier Viegas, responsável pelo Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, disse há dias ao Diário de Notícias: há três anos a escola ministrava 20 a 30 cursos de especialização em incêndios florestais, agora são "quatro ou cinco". O presidente da ENB, José Ferreira, em declarações recentes à RTP, reconheceu que a formação não é perfeita, mas preferiu pôr a tónica na falta de planeamento, no abandono da floresta e na desertificação do interior do país. Curto insiste na necessidade de reforçar o treino prático e aponta lacunas ao nível do equipamento de protecção individual dos bombeiros. "Todos deviam ter um equipamento igual ao da Força Especial de Bombeiros", afirma, sublinhando o risco de vida que os operacionais correm no terreno. Este equipamento é mais resistente às chamas e mais leve, e permite, por exemplo, que o bombeiro seja içado por helicóptero em caso de acidente. M.S.

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