quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Swaps tóxicos e caricatos. IGF destruiu documentos essenciais para avaliar controlo dos swaps.



Os polémicos swaps contratados pelas empresas públicas continuam a surpreender

Editorial / Público
Depois de o país ter sido confrontado com uma factura astronómica - perdas potenciais superiores a três mil milhões de euros - agora chegou a vez de se apurar responsabilidades. Uma coisa parece já ter ficado claro: a grande maioria dos gestores das empresas públicas não parecia ter competências e conhecimentos suficientes para negociar contratos de alto risco. E a assimetria de informação entre os gestores que os subscreveram e a banca que os vendeu era gritante, com ganhos evidentes do lado da banca.
Mas não foi só isso que falhou. Os gestores que subscreveram esses produtos deveriam ter sido alvo de fiscalização. Por isso é que foram pedidas auditorias - à IGF e à DGTF - para se apurar o que falhou no processo de fiscalização. A auditoria interna à IGF revela um facto surpreendente: alguma da documentação que permitia apurar responsabilidades foi destruída. E por que é que foi destruída? A IGF justifica o desaparecimento com uma portaria que permite que, após um período de três anos, esses documentos possam ser destruídos.
Perante os documentos destruídos, é a própria IGF que reconhece que não consegue responder às perguntas feitas pela ministra das Finanças, nomeadamente saber qual foi o grau de fiscalização feito a esses contratos. Esta história caricata suscita duas questões: como é possível destruir documentação sobre contratos swaps vivos, sendo que alguns deles têm maturidade para além de 2020? Na era dos computadores, não existirá um sistema que permita digitalizar a documentação e guardar as fiscalizações para a posteridade?
Neste caso dos swaps, a culpa da fiscalização (ou da falta dela), se calhar, vai morrer solteira. Ou, se calhar, a culpa é de quem fez uma portaria que permite destruir documentação relevante de forma extemporânea. Ou, se calhar, a culpa até já foi destruída.

A ministra das Finanças deu trinta dias à IGF e à DGTF para prepararem as auditorias internas solicitadas a 31 de Maio

IGF destruiu documentos essenciais para avaliar controlo dos swaps


Auditoria interna à IGF pedida pela ministra das Finanças revela que papéis de trabalho dos inspectores sobre contratos de seis empresas públicas foram eliminados, restando apenas os da CP e da Carris
A Inspecção-Geral de Finanças destruiu documentação que produziu em 2008 relativa aos contratos swap e que seria essencial para avaliar o controlo feito à subscrição destes produtos pelas empresas públicas. Na auditoria que a ministra das Finanças solicitou e a que o PÚBLICO teve acesso, revela-se que, dos oito dossiers necessários para analisar a actuação do organismo em relação à celebração destes derivados, apenas dois não foram eliminados.
A auditoria, pedida por Maria Luís Albuquerque a 31 de Maio e que foi realizada pela própria Inspecção-Geral de Finanças (IGF), refere-se que, para dar cumprimento à solicitação da ministra, "mostrou-se necessário consultar os papéis de trabalho" associados a processos de fiscalização de derivados subscritos por oito empresas públicas.
No entanto, apenas dois estão disponíveis: o da CP e o da Carris, havendo ainda documentação sobre o relatório final produzido sobre esta matéria. Os restantes foram destruídos, de acordo com as normas internas, como explica a subinspectora-geral num email enviado no final de Junho e que consta nos anexos da auditoria. "Os processos de controlo no âmbito do Sector Empresarial do Estado mantêm-se na fase activa durante três anos, período durante o qual se mantêm os papéis de trabalho", explica, citando a portaria nº525/2002, que estabelece estas regras.
Escreve ainda que, passado este período, são identificados "nas caixas os papéis de trabalho e a data a partir da qual os mesmos podem ser destruídos". Uma tarefa que cabia ao director operacional - cargo ocupado desde 1997 por Heitor Agrochão. Inquirido pela IGF sobre a destruição destes documentos, o responsável confirmou que "foram dadas instruções para que fossem destruídos", referindo que "desconhece a razão pela qual" os documentos relativos aos processos da CP, da Carris e do relatório final ainda existem.
Esta documentação seria essencial para responder ao terceiro ponto que consta no despacho de Maria Luís Albuquerque: determinar "a existência de informação obtida sobre contratos de gestão de risco financeiro", bem como o "tratamento e encaminhamento que a mesma terá tido".
A IGF reconhece que, para dar resposta a esta solicitação, havia necessidade de consultar os documentos. E acaba por concluir que "os papéis de trabalho referentes às outras seis empresas auditadas não puderam ser consultados, pela circunstância de terem sido mandados destruir". Na auditoria, o organismo escreve que, apesar do período de três anos, é "ao director operacional que cabe definir o prazo para conservação dos papéis de trabalho", podendo este prolongar-se por mais tempo, como aconteceu no caso da CP e da Carris.
Estes papéis de trabalho permitiriam perceber qual foi, na prática, a actuação dos inspectores na fiscalização dos swaps. Como se constata por exemplo no caso da CP, são documentos que mostram as questões colocadas pela IGF e os esclarecimentos da empresa sobre os diferentes derivados subscritos.
Jogo de culpas
Na auditoria, a IGF descarta qualquer responsabilidade em relação à verdadeira bomba-relógio que estes produtos criaram, atingindo perdas potenciais superiores a 3000 milhões de euros. E, tal como já tinha acontecido no Parlamento, durante a audição ao actual inspector-geral do organismo, atira as culpas para outra entidade hoje tutelada por Maria Luís Albuquerque: a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), à qual também foi pedida uma auditoria.
O documento refere que, na sequência do despacho do ex-secretário de Estado do Tesouro do PS, em Junho de 2011, a IGF enviou um ofício à DGTF a pedir a informação sobre swaps. Este pedido, que só foi enviado quatro meses após a publicação do despacho, pretendia fazer um ponto de situação do cumprimento das regras estabelecidas por Costa Pina, nomeadamente a obrigação de as empresas reportarem dados à DGTF sobre os derivados. A IGF também pedia uma reunião entre as três partes envolvidas, o que incluía ainda o IGCP.
Na resposta, enviada a 6 de Dezembro, a DGTF não enviou a informação, solicitando para o efeito um email ao qual pudesse fazer chegar os dados. No que diz respeito à reunião, a carta, assinada pela antiga directora-geral (Elsa Roncon Santos, que se demitiu em Julho), refere que "encontra-se em estudo o procedimento de operacionalização das orientações" do despacho e que o encontro será "mais oportuno numa fase posterior".
O email pedido pela DGTF foi enviado a 13 de Dezembro, pertencendo ao mesmo director que autorizou a destruição dos papéis de trabalho, Heitor Agrochão. Inquirido, o responsável respondeu que não recebeu qualquer informação "em data vizinha da disponibilização do endereço electrónico, nem posteriormente".
Em resposta ao despacho da ministra, a IGF conclui, por isso, que "demonstrou acção inequívoca ao oficiar a DGTF" e que "não há evidência" de que este organismo tenha remetido "os elementos solicitados", acrescentando que "ficou a aguardar que a DGTF se manifestasse" quanto à marcação de uma reunião.
Numa audição no Parlamento, Elsa Roncon Santos garantiu que a informação tinha sido enviada à IGF, tendo até remetido um documento para comprová-lo. Porém, esse ofício tem como único destinatário a secretária de Estado do Tesouro, que era na altura Maria Luís Albuquerque.

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