sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Juízes do TC garantem emprego para a vida. Maioria acredita que Governo tem margem para ultrapassar chumbo

O presidente do Tribunal Constitucional, Joaquim Sousa Ribeiro, iniciou a conferência de imprensa de ontem com uma longa explicação sobre o regime de férias dos juízes

Juízes do TC garantem emprego para a vida
30/08/13 00:22 | António Costa in Diário Económico

Aí está o maior risco à competitividade do País, à saída da crise: a decisão de sete juízes do Tribunal Constitucional que chumbaram a possibilidade de despedimento na Função Pública.

Os trabalhadores do Estado estão protegidos de uma crise económica e financeira, da incapacidade do País de pagar um Estado pesado, no fundo, têm emprego para a vida, estão protegidos da realidade. O Estado tem, primeiro, de ir à falência.
Mais uma vez, a leitura dos juízes do Tribunal Constitucional não é apenas restritiva, é mesmo completamente subjectiva e, por isso, não colhe a tese de que esta lei viola a Constituição. Não, viola a leitura que estes juízes em concreto, neste momento histórico, têm da lei fundamental. Os juízes do TC garantem um emprego para a vida no Estado e, com esta decisão, aceleram o desemprego para a vida no sector privado. É a ‘virtude' desta decisão.

Vamos por partes: os juízes do TC consideram que a lei da requalificação e a possível, diria até provável, consequência, isto é, o despedimento ao fim de 12 meses, põe em causa o princípio da confiança, garantido em 2008 quando entrou em vigor um novo regime de trabalho no Estado. Porquê? Porque, à data, o Governo e a maioria parlamentar que o suportava, à esquerda, prometeu a segurança no emprego e, segundo os juízes, já se sabia que existiam restrições orçamentais. Importa-se de repetir? Portanto, para os juízes do TC, nada mudou entre 2008 e 2013. Sim, mudou muito, na realidade, e que o digam as centenas de milhares de pessoas que, desde então, caíram no desemprego. Não mudou para os juízes, sim.

Com esta decisão, o despedimento na Função Pública fica, para sempre, vedado, e é bom que os portugueses que trabalham no sector privado entendam bem o que se considera afinal a necessidade de igualdade no Estado, o famoso artigo 13º da Constituição que, há menos de um ano, foi invocado precisamente pelos juízes do TC. É sempre bom manter a (in)coerência.

Decorre daqui que os juízes do Constitucional - e não a Constituição, diga-se - consideram que as razões financeiras não são suficientes para reduzir efectivos na função pública, claro, os que entraram após 2009. Aceitaria que exigissem uma clarificação das razões que justificam escolher o trabalhador A em detrimento do trabalhador B, aceitaria até que exigissem, em complemento, uma garantia de não contratação de novos trabalhadores para as mesmas funções por um período mínimo, de quatro anos, por exemplo, a duração de uma legislatura. Seria, sim, aceitável, para blindar estas decisões de interesses partidários e aparelhísticos, mas como é que é possível que as razões económicas e financeiras não sejam a maior das razões!? Especialmente se são os contribuintes a financiar o Estado, porque o Estado somos todos nós.

Este é, claro, mais um tiro na credibilidade do Governo, não há como escapar a isso. Por duas razões, a menor das quais a financeira. Esta lei ‘valia' 167 milhões de euros em 2014, e o Governo terá duas alternativas: acomodar o acórdão dos sete juízes e manter um regime de requalificação que permita a mobilidade e, no limite, a permanência para sempre dos funcionários nesse regime, com o respectivo corte salarial. E, para os funcionários públicos que entraram posteriormente a 2009, especificar as razões para o despedimento na Função Pública.


O pior dos problemas é político, porque que esta decisão prenuncia o que poderá seguir-se com diplomas relevantes de reforma do Estado, ou melhor, de corte de despesa pública, a um mês da chegada da ‘troika' a Portugal para a oitava e nona avaliações. Éum bom cartão de visita, sim senhor.


Maioria acredita que Governo tem margem para ultrapassar chumbo


Tribunal Constitucional dá razão a Cavaco Silva e trava lei que abria portas a despedimentos na função pública. Passos Coelho pode insistir na solução
A maioria PSD/CDS recebeu a decisão do chumbo do Tribunal Constitucional (TC) ao novo regime de mobilidade na função pública como um "forte contratempo" face aos compromissos que o Governo assumiu com a troika, mas deu sinal de que o executivo ainda pode insistir na proposta. O próprio Presidente do TC, Joaquim Sousa Ribeiro, sublinhou que o tribunal não proibiu a redução de efectivos no Estado, embora "não por este meio".
O tom de prudência dominou as reacções do PSD e do CDS e até do próprio primeiro-ministro, Passos Coelho, que recusou falar sobre o assunto no Caramulo, onde se encontrava para acompanhar a situação dos incêndios. O vice-presidente do PSD, Marco António Costa, assumiu que o partido discorda da decisão e que é um "forte contratempo", mas assegurou que o "Governo irá encontrar soluções adequadas para ultrapassar mais esta dificuldade". O CDS, pela voz de João Almeida, reconhece que o chumbo "limita a margem do Governo", mas sublinha que "é preciso encontrar uma solução" que respeite a interpretação do TC e que permita poupanças" tendo em conta que "o regime da mobilidade não é novo" nem ficou posto em causa com esta decisão.
O TC chumbou todas as normas do novo sistema de requalificação na função pública postas em causa pelo Presidente da República e que, pela primeira vez, abria portas a despedimentos dos trabalhadores mais antigos.
O diploma previa que os funcionários públicos que entrassem para o mecanismo de requalificação pudessem permanecer neste regime de mobilidade apenas por um período de 12 meses. Findo o prazo, e sem ter direito a qualquer remuneração, ou optavam por esperar por uma eventual colocação, ou cessavam o contrato de trabalho. Os juízes do Palácio de Ratton recusaram os motivos invocados pelo executivo para justificar o fim do vínculo à função pública: nesta espécie de bolsa de excedentários seriam colocados os trabalhadores de serviços em reestruturação/fusão (e que por isso ficariam com trabalhadores a mais), os serviços que sofrem cortes nas transferências de verba do Orçamento do Estado, os que têm quebras de receitas próprias ou, ainda, os que precisam de requalificar trabalhadores.
No acórdão lê-se que estas normas do Decreto 177/XII criam "novos motivos" de cessação de contrato na Administração Pública, "por violação da garantia de segurança no emprego e do princípio das proporcionalidade, constantes dos artigos 53º e 18º, nº2" da Constituição. O presidente do TC, Joaquim Sousa Ribeiro, esclareceu que em causa estava a manutenção do emprego: "Algo de muito mais contundente, de muito mais agressivo para o direito à segurança." Sendo "esse efeito tão agressivo para o direito constitucionalmente tutelado, seria necessária uma definição minimamente precisa dos motivos que podem levar a esse processo de requalificação, que pode finalizar no despedimento", disse. Para o TC, essa exigência não estava cumprida.
Despedimentos por outra via
Sousa Ribeiro fez questão de deixar claro que o tribunal não diz que não "podem ser diminuídos efectivos da Administração Pública" por justa causa. "Nunca o disse e não o diz neste acórdão", sublinhou. "Simplesmente, o que diz é que não pode ser por este meio. Foi essa a razão que conduziu ao sentido da decisão que foi tomada por maioria de seis votos em sete", afirmou (ver pág. 6). Apenas um voto, o do conselheiro Cunha Barbosa, não foi favorável à declaração de inconstitucionalidade.
Outra das normas da nova lei, e que também levantou dúvidas "fundadas" a Cavaco, prende-se com a violação do "princípio de confiança" dado aos trabalhadores admitidos antes de 2008 no regime de mobilidade implementado pelo anterior Governo de José Sócrates, e que os salvaguardava de uma situação de despedimento. O actual executivo queria revogar este artigo mas o TC entendeu que o Estado, ao dar essa garantia, gerou uma "confiança reforçada dos trabalhadores". Neste caso, não houve dúvidas no Palácio de Ratton e a opção pelo chumbo foi unânime.
O desfecho ao pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República terá implicações nos objectivos de poupança do Governo, acordados com a troika. Em termos de cortes na despesa, o Governo previa uma poupança de 48 milhões de euros com a requalificação já este ano, de acordo com os dados do FMI referentes à 7ª avaliação da troika. Depois, olhando para 2014, e se o Governo não conseguir contornar o chumbo do TC, em causa estão mais 119 milhões em termos anuais, só através da requalificação.
Cortes por resolver
Além disso, resta saber quais os impactos da decisão do TC em outra medida da reforma do Estado que afecta a função pública, o programa de rescisões por mútuo acordo, cujo impacto está avaliado em 252 milhões anuais com efeitos a partir de 2014.
Sem a possibilidade de perderem o vínculo ao Estado através da entrada em vigor da requalificação, alguns trabalhadores que estivessem a avaliar a sua saída a partir de domingo poderão agora pensar de outra forma. Ou seja, parte deste valor poderá ser afectado. Este é o terceiro chumbo que o TC dá a medidas do Governo ligadas à austeridade, e o segundo este ano.
Depois de em 2012 ter apontado desigualdades no corte dos subsídios feito apenas ao sector público, em Abril deste ano o TC declarou inconstitucionais quatro normas do Orçamento do Estado para 2013, com destaque para os cortes dos subsídios de férias aos funcionários públicos, aos reformados e pensionistas, e as contribuições nos subsídios de doença e de desemprego. Estas últimas acabaram por ser reintroduzidas pelo Governo após pequenas alterações no universo de beneficiários abrangidos, mas o certo é a inconstitucionalidade, com efeitos retroactivos, teve um impacto de 1300 milhões.
O buraco no OE, quando decorria a 7ª avaliação da troika, levou a medidas alternativas, como a aceleração dos cortes na função pública. Pouco depois, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, demitiu-se e o governo de coligação esteve por um fio. Agora, quando ainda nem começou a 8ª avaliação da troika (em Setembro), o Governo é confrontado com novos obstáculos no momento em que ultima o Orçamento do Estado para o ano que vem. Desta feita, a clarificação surge antes da sua divulgação e entrada em vigor.
No entanto, o TC deverá avaliar ainda uma outra medida ligada às poupanças com a função pública que fazem parte do plano de consolidação que o Governo negociou com a troika após os abalos de Abril. A lei que aumenta o período de trabalho dos funcionários públicos em cinco horas semanais foi ontem publicada em Diário da Republica e entra em vigor a 28 de Setembro. Mesmo assim, não deverá escapar ao crivo do TC: os partidos da oposição preparam-se para pedir a fiscalização sucessiva.


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