sexta-feira, 21 de junho de 2013

Uma dispendiosa inocência.

Uma dispendiosa inocência.


  por Viriato Soromenho Marques in DN online / 21-6-2013

Em 1992, numa altura em que como presidente da Quercus me envolvi numa longa campanha pública contra a construção da futura Ponte Vasco da Gama, por razões de política ambiental e de ordenamento do território, recebi um invulgar convite do então ministro Joaquim Ferreira do Amaral para debater o assunto no seu gabinete. Foram três horas de dura discussão, tendo o manso Tejo por pano de fundo. Nenhuma das partes mudou de posição. Contudo, o que recordo vivamente dessa reunião foi o argumento repetido pelo então ministro de Cavaco Silva: segundo o desenho financeiro previsto, a ponte seria construída a custo zero para o Estado... Sabemos hoje que o Estado desembolsou 847 milhões de euros com a construção de uma ponte que custou à Lusoponte 644 milhões! O que eu não sabia, nesse dia distante do verão de 1992, era que estava a assistir ao nascimento das famosas parcerias público-privadas (PPP), que correspondem, no plano interno, ao que a política da chanceler Merkel realiza na escala europeia. Uma dívida pública incomensurável (com PPP e swaps) combina-se toxicamente com uma Zona Euro da austeridade perpétua: o resultado é a transformação de um país, que ainda há menos de 40 anos tinha um império sem democracia, numa colónia, com uma democracia para metecos. Quem tenha lido o lúcido ensaio de 2010, da autoria de Carlos Moreno, sobre o tema das PPP, já pode adivinhar o resultado dos inquéritos em curso: uma iniciativa tão publicamente danosa, mas que junta governos de Cavaco, Guterres, Barroso e Sócrates, só pode concluir pela habitual inconclusividade. A nossa democracia tem sido governada por uma dispendiosa inocência. Na impossibilidade de uma escrupulosa competência, apetece ansiar por algum dolo, mas que fosse bem mais barato para as finanças públicas.

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