segunda-feira, 24 de junho de 2013

Um novo partido à esquerda? Eurodeputado Rui Tavares defende a criação de novo partido à esquerda.

Um novo partido à esquerda?
Por Ana Sá Lopes
publicado em 24 Jun 2013 in (jornal) i online
A esquerda em Portugal está tão bloqueada como a direita

Não vale a pena iludir o essencial: no actual estado da arte, a esquerda em Portugal está tão bloqueada como a direita - e está longe de se afirmar como alternativa consistente ao status quo. A questão essencial é que a integração no euro e o enlouquecido funcionamento das instituições europeias limitam radicalmente qualquer programa alternativo. O espectáculo degradante do passa-culpas entre os criadores da destruição europeia - via imposição de programas concebidos pela Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu - ilustra o estado de decadência a que chegámos, onde só os mais optimistas vislumbram algum milagre capaz de nos retirar do cerrado fundo do túnel em que estamos.

O pacto entre os socialistas europeus e os partidos de direita (a que pertence a CDU de Angela Merkel) que decretou que a Europa deveria viver num estado de graça de défice zero é um dos compromissos mais abstrusos - e totalmente contra a outrora linha política dos socialistas e sociais-democratas europeus - e que inviabiliza a instituição de políticas sociais-democratas. Como é que em Portugal António José Seguro - ou outro qualquer dirigente do PS - poderá fazer políticas radicalmente diferentes das do actual governo quando está amarrado a esse compromisso, mesmo depois do abandono da troika do país? À esquerda do PS, o debate já está a ser feito no osso - e onde dói. PCP e Bloco de Esquerda já discutem amplamente se devemos sair do euro, aparentemente a única via para não ficarmos submetidos ao pacto orçamental, uma espécie de pacto de austeridade ad eternum. Mas as divergências sobre os riscos desta opção são imensas. A questão é que toda a conversa da esquerda sobre cortar com a troika esbarra numa realidade incontornável - nenhum partido português corta com a troika sozinho, sem assumir as consequências de sair do euro. Uma mudança radical na Europa seria a única coisa que nos poderia "salvar" - infelizmente, ela não está à vista.


O quadro é tão grave que o risco da emergência de populismos (como se verificou em Itália e aqui em Portugal é protagonizado pelo movimento Revolução Branca que admite fazer tudo para se apresentar a eleições) ou de uma alucinada abstenção é severo. Um novo partido à esquerda teria várias vantagens - aparecer expurgado dos complexos que impedem alianças à esquerda e conter a abstenção dos que estão "cansados dos mesmos". Mas falta o programa e isso não há (ainda).

Eurodeputado Rui Tavares defende a criação de novo partido à esquerda.
Por Catarina Falcão
publicado em 24 Jun 2013 in (jornal) i online

"É preciso encontrar a melhor ferramenta para que a sociedade portuguesa faça mexer as placas tectónicas da nossa política", defende o eurodeputado
Rui Tavares, numa entrevista feita em Bruxelas, alerta que Portugal não pode sair do euro sem sair da União Europeia e resiste à ideia de que não há alternativa à austeridade. "A troika está a matar--nos. O que nós temos de fazer é arranjar a melhor maneira possível de pôr a troika no aeroporto", diz.

Portugal é um dos países que está a ser sacrificado pela austeridade. O governo diz que não há alternativas a esta política e que estamos condicionados pela troika. Qual é a alternativa? Um Estado unilateralmente pode propor esse tipo de alternativas, não tem de partir das próprias instituições europeias?
Eu acho que um Estado unilateralmente, mesmo um Estado que esteja sob um programa, pode perfeitamente fazer uma série de políticas concretas de ruptura com a austeridade. Eu faria, por exemplo, um sistema de títulos, dentro do próprio país, antecipando o pagamento dos impostos, que seriam transaccionáveis e que permitiriam captar poupanças, dando ao orçamento central um certo desafogo e eventualmente possibilitariam uma renegociação da dívida. Outra das coisas que pode ser feita é, por meio de medidas legislativas, beneficiar o sector cooperativo, associativo e pequenas e médias empresas que em Portugal asseguram muitos empregos.
Os instrumentos criados pela União até agora para lidar com a crise são suficientes?
Os instrumentos que nós temos neste momento são muito reduzidos. Aquela proposta do pacote de crescimento de Hollande ainda não está financiada e era de 100 mil milhões de euros, claramente insuficiente para a recuperação económica da União. Basta pensar só no que nós perdemos em fuga aos impostos e planeamento fiscal agressivo, é um bilião de euros, ou seja, um milhão de milhões. Há cálculos que apontam para que um pacote de estímulo para a recuperação da crise seria de 2 biliões de euros. Este valor poderia ser financiado de diversas formas. Uma parte seria para a troca de investimentos, outra parte seria, por exemplo, combate à evasão fiscal e os proventos vindos daí para a União Europeia, outra parte seria a taxa das transacções financeiras e outra parte seria um fundo dos próprios Estados membros.
Em Portugal tem-se falado muito em rasgar o Memorando. Acha que é uma solução plausível?
A troika está a matar-nos. A própria troika sabe isso tão bem que mandam culpas uns para os outros. Portanto, o que nós temos de fazer é arranjar a melhor maneira possível, no mais curto espaço possível, de pôr a troika no aeroporto e recuperar a nossa independência. Ninguém em Bruxelas, em Frankfurt ou onde quer que seja, pode obrigar o governo português a decidir mais em função dos credores do que do seu povo. A primeira obrigação de um governo é perante o seu povo e eu acho que um governo de alternativa é um governo que evidentemente combinará as diferentes posições que encontramos hoje em dia na oposição partidária e não partidária.
Uma alternativa que tem sido muito discutida em Portugal é a saída do euro. Portugal pode sair do euro?
Portugal não pode sair do euro sem sair da União. E isto não é uma notícia que eu goste de dar. No quadro actual que nós temos, Portugal para sair do euro só tem uma saída que dependa exclusivamente de si, que é sair da União. E isso tem consequências. Eu sei que a Grécia, a certa altura, pensou nisso. Isto põe uma pergunta importante do lado de quem defende a saída do euro, defende-se também a saída da União? Se defender a saída da União isso significa que a nossa fronteira acaba em Badajoz no dia seguinte. Esta mudança estratégica da economia portuguesa, equivalente à descolonização, não se decide numa situação de pressão.
Falou há pouco de uma alternativa de governo. É favorável à convocação de eleições antecipadas?
Quanto mais cedo nos livrarmos deste governo melhor.
Mas antes do fim do programa da troika?
Eu acho que este governo já pôs em causa o regular funcionamento das instituições. Acho que o Presidente da República, um dos grandes factores da desgraça em que nós estamos, deveria ter tomado uma atitude que não tomou ainda. Este governo apresenta riscos graves para o Estado de direito em Portugal, basta ver--se, agora, como reagiram à greve dos professores.
António José Seguro é uma alternativa credível para o país?
A minha ansiedade é a mesma que qualquer pessoa de esquerda tem em Portugal há muitos anos, só que pior ainda. A esquerda em Portugal nunca se quis entender, a oposição não se entendeu nem com a troika no país. O povo português anda há muito tempo a pedir isso, e os militantes dos partidos também. E, portanto, a coisa é por cima que falha. É preciso é que, de uma vez por todas, se os nossos dirigentes políticos não percebem o custo que nós andamos a pagar por esta falta de vontade política, que os cidadãos se revoltem. Eu aquilo a que apelo é que os portugueses de oposição, de esquerda, ou que simplesmente querem uma alternativa, desmascarem este teatro de sombras que há entre os três partidos de oposição.
O que é que falta à esquerda, um novo partido? Há lugar para mais um partido à esquerda em Portugal?
Não há lugar para um partido que seja igual aos outros. Pode haver espaço, não sei se é partido, se é movimento, se é associação...
Para concorrer em eleições tem de ser partido?
Pode fazer sentido uma coisa que seja baseada na democracia deliberativa, ou seja, que traga a sociedade portuguesa para a política, porque a nossa sociedade é melhor do que a nossa política. Uma coisa que, basicamente, transcenda as fronteiras dos partidos. Isso tem estado a ser tentado com o Manifesto para uma Esquerda Livre, com o Congresso Democrático das Alternativas e, basicamente, o que é que se provou? Que dá certo.
Na teoria. E na prática?
Sim, mas essa prova foi importante fazê--la, porque o que nos diziam é que há coisas muito diferentes que nos separam. Mas está ali um programa, que não é um programa de banalidades, que foi assinado por aquela gente toda, portanto, refutámos um dos principais argumentos das direcções partidárias que era: não dá. Está provado que dá. O que retirei de lá é que a razão por que não se faz, não é porque não dá, a razão por que não se faz é porque não querem. É preciso encontrar a melhor ferramenta para que a sociedade portuguesa faça mexer as placas tectónicas da nossa política? Se essa forma for um partido, não devemos ter vergonha disso.
Mas já chegou a essa conclusão individual?
Essa conclusão não deve ser individual.
Mas alguém tem de começar.
E é por isso que eu tomo a responsabilidade de exprimir em público aquilo que muita gente só fala nos corredores. A única maneira de desvendar esse quebra- -cabeças é as pessoas assumirem as suas responsabilidades de debate, dizer o que é que pensam, falarem abertamente acerca disso, desfazerem esse tabu, e verem se há condições de fazer, e de fazer bem. Nós vamos começar com uma coisa a partir de Setembro, chamado Instituto Ulisses, que vai fazer programas e lançar novas ideias.
Nas próximas eleições europeias vai recandidatar-se? Isso implicaria ou a criação de um novo partido ou um convite de um partido já existente.
Em primeiro lugar, eu não penso acerca disso. Estou proibido por mim próprio de pensar acerca disso, pelo menos até fechar o relatório sobre a Hungria. Pelas vicissitudes deste mandato e pela maneira como ele decorreu, aquilo que eu quero fazer é garantir o melhor trabalho possível. Que seja um trabalho que deixe marca, que defenda os direitos do cidadão, que faça avançar a democracia europeia.
Mas no grupo parlamentar onde está inserido neste momento, até pode não querer pensar, mas não pensam por si?
Há gente que me pergunta se vou voltar e que era importante que voltasse. Há gente que está em partidos e me diz, "queres que eu faça campanha por ti dentro do meu país?" Eu respondo que não. Essa, não deve ser a minha principal preocupação.
Qual é a importância da aprovação do seu relatório sobre a Hungria?
Por um lado, a identificação de que os problemas na Hungria são sistémicos, ou seja, não é este ou aquele assunto para um procedimento de infracção específico. O regime na Hungria foi mudado e essas mudanças são em geral de uma tendência incompatível com os valores da União. A partir daqui a Comissão Europeia tem de iniciar um tipo de mecanismo em que diga ao Estado membro que é preciso sentar à mesa e discutir só isso. Tudo o resto pára.
Mas também a Comissão tem vindo a alertar as próprias autoridades húngaras de possíveis incompatibilidades...
A Comissão, por ser uma espécie de executivo não eleito da União - e esse é um dos nossos problemas -, disse que só poderia ir a pontos muito específicos. O que o Parlamento Europeu pode fazer é - enquanto representante dos cidadãos - dizer à Comissão para não usar essa estratégia picuinhas e ver o quadro geral de uma crise de direitos fundamentais que está a começar agora e que vai ser pior do que a crise do euro. Porque não é só a Hungria. Na Bulgária tivemos eleições que não sabemos se foram eleições manipuladas ou não, ou seja, o tipo de coisas que em geral acontecia fora da União Europeia está a acontecer dentro da União Europeia. Os romenos não sabem o que está a ser negociado para a sua nova Constituição. Na Grécia temos não só um partido neonazi que faz a saudação nazi no parlamento e que está em grande nas sondagens, mas temos um governo que fecha a televisão pública de um dia para o outro. Em Portugal também tivemos problemas muito sérios de pressão sobre jornalistas. Podemos muito facilmente ter até metade da União com problemas graves de direitos fundamentais e as instituições europeias a dizer que são impotentes. O que eu tento fazer é arranjar o máximo de ferramentas para que não possamos dizer que estamos impotentes.

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