segunda-feira, 24 de junho de 2013

Secretário de Estado afastado pelos swaps readmitido na Metro do Porto. Não é ficção, é a triste realidade portuguesa.


Não é ficção, é a triste realidade portuguesa.
 Editorial / Público

Um governante foi forçado a deixar o seu cargo porque na empresa onde era director administrativo e financeiro a sua gestão coincidiu com os célebres swaps, contratos tóxicos e lesivos dos interesses não só da empresa em questão como do próprio Estado. Supunha-se que, a partir daí, até estarem esclarecidos todos os trâmites desse nebuloso caso, o gestor em questão fosse comedido nos cargos que viesse a ocupar nos tempos mais próximos. Errado. Após a sua saída do Governo (saída que, recorde-se, não foi voluntária, afastaram-no do cargo) foi readmitido na empresa onde estava e na mesma direcção, com uma sugestiva diferença: em lugar de director administrativo e financeiro é agora "apenas" director administrativo. E não terá havido alterações no seu salário. Não é ficção, é realidade. A reintegração, confirmada, ocorreu em Maio, e o gestor ocupava o cargo de secretário de Estado da Defesa. Como exigir paciência ou vergonha com casos destes como "exemplo"?

Secretário de Estado afastado pelos swaps readmitido na Metro do Porto.

Paulo Braga Lino deixou o lugar no Governo em Abril e voltou a ser integrado na empresa.
O ex-secretário de Estado da Defesa, que o Governo afastou por causa da polémica dos swaps, foi readmitido na Metro do Porto, empresa onde desempenhou funções de director financeiro quando foram subscritos contratos considerados tóxicos numa auditoria da Agência de Gestão da Dívida e da Tesouraria Pública (IGCP). Paulo Braga Lino foi reintegrado em Maio na transportadora como director administrativo.
O PÚBLICO apurou que a readmissão foi debatida internamente na Metro do Porto, de onde tinha saído para o Governo em regime de requisição. Antes de deixar a empresa em 2011, Braga Lino liderava a direcção financeira e administrativa. Com o seu regresso, a transportadora decidiu dividir este departamento em duas áreas: financeira e administrativa. Foi com este último pelouro que o ex-secretário de Estado ficou.
Na direcção administrativa, o gestor (quadro da Metro do Porto desde 2001) tem responsabilidades sobre áreas como a organização interna e os recursos humanos. Apesar da alteração nas responsabilidades hoje sob a alçada do ex-secretário de Estado da Defesa, não terá havido mudanças no salário que aufere.
O PÚBLICO tentou contactar Braga Lino sobre a sua readmissão, mas não foi possível. Já a Metro do Porto confirmou que o gestor "regressou em Maio deste ano às funções que tinha e que eram de director administrativo e financeiro, tendo agora responsabilidades apenas na área administrativa", acrescentando que "a direcção da área financeira é actualmente assegurada, por decisão da administração, pelo administrador executivo que detém esse mesmo pelouro [António José Lopes]".
O gestor tinha saído do Governo em Abril porque o IGCP concluiu que a transportadora celebrou contratos especulativos no período em foi director financeiro. Depois de cinco anos como controller, Braga Lino esteve no cargo entre 2006 e 2011 - função que repartiu, durante grande parte do tempo, com Mário Coutinho dos Santos, hoje alto quadro da Efacec nos Estados Unidos.
Os 15 derivados da Metro do Porto, subscritos entre 2003 e 2009, acumularam perdas potenciais de 900 milhões de euros. O IGCP concluiu que a maioria dos contratos tinha um cariz tóxico, por não se destinar apenas à cobertura do risco de variação da taxa de juro. Na auditoria, é destacada uma operação, comercializada pelo Santander, como "particularmente nociva". Apesar de o contrato inicial datar de 2002, foi uma reestruturação em 2007 (quando Braga Lino já era director financeiro) que fez com que a empresa tivesse de pagar um cupão com juros de 23,262%, quando o swap continuava com um valor negativo de 450 milhões.
As negociações iniciadas com os diferentes bancos já levaram ao cancelamento de cerca de 50 contratos - oito deles da Metro do Porto. Para liquidar os produtos, foram pagos perto de 1000 milhões às instituições financeiras, tendo o Estado poupado 500 milhões (já que as perdas potenciais rondavam os 1500 milhões).
Swaps em contexto
As direcções financeiras das empresas envolvidas nesta polémica tinham, por norma, a responsabilidade de negociar com os bancos. Era, no entanto, a administração que autorizava a celebração dos contratos. No caso da Metro do Porto, como noutros, os bancos faziam depender o acesso a financiamento (que servia para pagar obras decididas pelos governos) da subscrição de swaps.
Apesar deste contexto, o executivo decidiu afastar Braga Lino, que negociava as operações, mas não tinha poderes para as autorizar. Também o secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna, Juvenal da Silva Peneda, saiu do cargo por ter sido administrador da STCP e da Metro do Porto. Este caso resultou ainda na saída de três gestores públicos: José Silva Rodrigues (ex-presidente da Carris que agora liderava a Metro de Lisboa/Carris), João Vale Teixeira (presidente da Egrep) e Paulo Magina (vogal da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública e ex-administrador da CP).
Tal como o PÚBLICO noticiou recentemente, também Silva Rodrigues pediu para ser readmitido na Refer, onde tem um lugar de reserva desde 2004, com a categoria pro?ssional de "assessor superior do conselho de administração". A empresa está a analisar juridicamente a obrigatoriedade de reintegrar o gestor.
A comissão parlamentar de inquérito aos swaps estreia amanhã a ronda de audições, com a secretária de Estado do Tesouro, que tem estado sob fogo político por ter sido directora financeira da Refer. Quarta-feira é ouvido o inspector-geral das Finanças.

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