sexta-feira, 7 de junho de 2013

Afinal, quem inventou a austeridade? Erros do FMI na Grécia abrem portas a suavização da austeridade. Crónica triste sobre esta nova era do desemprego.


Afinal, quem inventou a austeridade?


Editorial / Público07/06/2013

O documento secreto do FMI mostra que a crise do euro entrou na fase da reescrita da história

O relatório confidencial do Fundo Monetário Internacional criticando duramente as práticas do próprio Fundo e da Comissão Europeia no resgate da Grécia - o documento defende que se devia ter avançado desde logo para a reestruturação da dívida e acusa a CE de não ter experiência na gestão de crises - mostra como a crise da zona euro entrou num novo momento. Entrámos na fase da reconstrução histórica da narrativa da austeridade, na qual alguns dos principais protagonistas das políticas seguidas para combater a crise das dívidas soberanas atacam as políticas que protagonizaram. A Comissão Europeia reagiu ao documento refutando as críticas, o Banco Central Europeu distanciou-se e a própria líder do FMI, Christine Lagarde, veio dizer que aquele não exprimia a posição oficial da instituição. Não reina entre os membros da troika a unidade bíblica que liga os membros da Santíssima Trindade. E, porém, ao longo de anos, tem sido exigido aos países sob resgate que recebam a austeridade como um Diktat divino para o qual não era pensável uma alternativa. Agora, é do interior da própria troika que vemos surgirem as críticas e ser identificado um bode expiatório perfeito, a Comissão Europeia. Christine Lagarde, aliás, já tinha criticado os excessos da austeridade, sem que daí decorresse qualquer mudança de política do FMI. Num registo diferente, Berlim fez sentir recentemente o seu desagrado perante os erros das troikas, como se fosse irrelevante a sua rejeição da união bancária e dos eurobonds. O risco que enfrentamos é simples. Esta reescrita da história da austeridade não está a conduzir nem a uma mudança de políticas, nem a uma identificação real de responsáveis. Por outras palavras, critica-se a estratégia da austeridade com a mesma leviandade com que ela foi imposta. Num caso e noutro, sem olhar para as consequências.

A Grécia, cujo desemprego disparou para os 25%, está já a atravessar o sexto ano seguido de recessão

Erros do FMI na Grécia abrem portas a suavização da austeridade.

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas
07/06/2013

Os técnicos do FMI voltaram a reconhecer que subestimaram o impacto das políticas de austeridade nas economias dos países sob ajuda externa, o que dá novos argumentos a Lisboa e a Atenas
Pela segunda vez em menos de um ano, os técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) reconheceram que subestimaram o impacto das políticas de austeridade nas economias dos países sob ajuda externa, o que poderá explicar a recessão e o desemprego muito piores do que o previsto em Portugal e na Grécia.
A nova admissão dos economistas do Fundo, publicada na quarta-feira, foi feita especificamente para o caso da Grécia no quadro de uma avaliação sobre o seu programa de ajustamento que constitui a contrapartida da ajuda externa da zona euro e FMI.
Mesmo se o caso da Grécia é único - o país já vai no segundo pacote de empréstimos desde 2010, no valor total de 230 mil milhões de euros, e passou em 2012 pela maior reestruturação de sempre de dívida pública detida por privados -, a insistência do FMI no risco de os programas de ajustamento estarem mal concebidos poderá dar argumentos aos governos de Lisboa e Atenas para tentarem suavizar o ritmo da consolidação orçamental.
No caso da Grécia, a contracção esperada do PIB em 2012 face aos valores de 2009 foi de 17 pontos percentuais do PIB em vez dos 5,5 previstos. Durante o mesmo período, o desemprego disparou para 25% da população activa, em vez dos 15% esperados. Ao mesmo tempo, a previsão feita no início do programa grego de que a dívida pública atingiria um "pico" de 154-156% do PIB em 2013, foi revista para valores acima dos 170%, mesmo depois da reestruturação da dívida.
Além disso, apesar do esforço "significativo" que foi exigido aos gregos em termos de consolidação orçamental, o programa não permitiu alcançar muitos dos seus objectivos, como a recuperação da confiança dos investidores e o regresso ao crescimento económico num país que está em 2013 no sexto ano seguido de recessão.
Esta situação "levanta questões importantes sobre o desenho do programa", reconhecem os técnicos do FMI que, em Outubro passado, já tinham admitido que subestimaram o impacto da austeridade sobre a actividade económica nos países ajudados.
Apesar desta autocrítica, os economistas do Fundo consideram que, na altura da concepção do programa grego, em Maio de 2010, não havia margem para prever um ritmo de consolidação orçamental mais lento. O "enorme" ajustamento de 14 pontos percentuais do PIB, "era o mínimo necessário para reduzir a dívida para 120% do PIB em 2020", afirma o relatório.
Um processo mais lento teria por outro lado como consequência que Atenas teria precisado de um maior volume de empréstimos do que os 110 mil milhões de euros previstos em 2010 (dos quais 80 mil milhões assegurados pela zona euro e 30 mil milhões pelo FMI).
Parte da contracção da economia grega desde 2010 teve a ver com a ausência de retoma do crescimento do sector privado que era esperada a partir das reformas estruturais previstas, mas igualmente com as dificuldades políticas internas e com a especulação dos investidores sobre uma possível saída da Grécia do euro.
A reduzida capacidade administrativa do país para aplicar o programa também foi subestimada e constituiu mesmo uma "surpresa" para o FMI. Os economistas do Fundo consideram igualmente que a dívida grega deveria ter sido reestruturada logo no início do programa, um cenário que foi rejeitado pelos governos do euro para evitar o risco de contágio a outros países. Esta estratégia apenas serviu, no entanto, para "atrasar a reestruturação da dívida", permitindo que "muitos credores privados escapassem".
Mesmo assim, a opção seguida permitiu à zona euro ganhar tempo para construir os seus fundos de socorro, mas criou incerteza sobre a capacidade da zona euro resolver a crise da dívida e "provavelmente agravou a contracção da economia", afirma o relatório.
As críticas dos economistas do FMI são particularmente duras contra a Comissão Europeia, sua parceira, juntamente com o Banco Central Europeu (BCE), nas troikas de credores que negoceiam e vigiam o cumprimento dos programas de ajustamento.
Para o FMI, um dos problemas das troikas resulta da ausência de uma divisão clara de tarefas entre as três instituições, que demonstram por vezes "diferenças acentuadas de pontos de vista, (...) sobretudo no que se refere às previsões de crescimento".
Mais: a Comissão "não tem experiência de gestão de crises" e "focaliza as reformas [nos países ajudados] mais no cumprimento das normas europeias do que no seu impacto sobre o crescimento" económico, acusa o relatório.
Tanto a Comissão Europeia como o BCE rejeitaram ontem o mea culpa do FMI e as críticas feitas às troikas.

“Não penso que seja justo que o FMI lave as suas mãos e atire a água suja sobre os europeus”, disse Olli Rehn durante uma conferência em Helsínquia, citado pelo Financial Times.



Rehn: FMI está a “lavar as mãos” da responsabilidade na crise grega

07 Junho 2013, 11:01 por Nuno Carregueiro
nc@negocios.pt

Relação entre Comissão Europeia e o FMI está a degradar-se cada vez mais. Olli Rehn reagiu com fúria ao relatório do FMI sobre os erros cometidos na gestão da crise grega e lembrou que Christine Lagarde chumbou a possibilidade de reestruturar a dívida grega, quando era ministra das Finanças francesa. “Não penso que seja justo que o FMI lave as suas mãos e atire a água suja sobre os europeus”, disse Olli Rehn durante uma conferência em Helsínquia, citado pelo Financial Times.
Uma frase que mostra bem como estão tensas as relações entre dois dos membros da troika, sobretudo depois de o FMI ter revelado um relatório onde assume erros grosseiros na gestão da crise grega, imputando responsabilidades a Bruxelas, que se preocupava mais com as normas europeias do que com o crescimento.
Um dos pontos do relatório incide sobre o erro de não ter sido implementada uma reestruturação da dívida grega logo no início do programa de resgate.
Em declarações ao jornal britânico, Rehn lembra que Christine Lagarde, quando era ministra das Finança de França, resistiu a essa possibilidade de restruturar a dívida grega em 2010. Acrescentou ainda que o antigo director-geral do FMI, Dominique Strauss-kahn, também nunca defendeu a restruturação da dívida grega.
“Não me lembro de Dominique Strauss-kahn ter sugerido uma reestruturação da dívida grega [em 2010], mas lembro-me de Lagarde opor-se a esse cenário”, disse Rehn ao FT.
Na sua intervenção na conferência na capital finlandesa, Rehn fez uma analogia entre a coesão da troika e a guerra dos Balcãs, dos anos 90. Rehn argumentou que o FMI compara mal com os Estados Unidos, que na altura anunciou que “fomos para lá juntos, sairemos de lá juntos”.
“Esse era um jogo justo, essa era uma parceria real” entre as forças militares que intervieram nos Balcãs, disse Rehn, fazendo uma forte critica implícita ao FMI, sugerindo que a instituição sedeada em Washington está a querer sair de cena antes do jogo acabar.
Fim da troika acelerado?
Muitos analistas adiantam que este relatório pode marcar o fim da troika tal como esta funciona actualmente. A manifestação pública de uma discordância tão fundamental entre o FMI e os dois vértices europeus da troika – Comissão Europeia e BCE – pode levar o Fundo a sair mais cedo de programas de resgate no euro, focos de crescente controvérsia entre os seus accionistas não-europeus (designadamente Brasil, China, mas também EUA), inconformados com uma actuação que consideram excessivamente generosa por comparação com intervenções passadas, em especial na América Latina.
Mas esse processo está, na realidade, em curso. O Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) – o embrião de um Fundo Monetário Europeu destinado a socorrer Estados e bancos do euro – está a funcionar e tem prometida uma capacidade financeira superior à que pode mobilizar o próprio FMI. O que falta? Entre outras coisas, colmatar uma das outras falhas apontadas pelo FMI: conseguir agir com celeridade.
Olli Rehn, o comissário europeu dos Assuntos Económicos, sugeriu há um mês que o MEE se converta numa instituição plena da UE (hoje situa-se na esfera intergovernamental), capas de tomar decisões por maioria (ainda que reforçada) em substituição da actual exigência de unanimidade que fez esbarrar vários pedidos de ajuda em diversos parlamentos nacionais. Em resgates futuros, passaria assim a ser o MEE (e logo a Comissão e o BCE, agora numa espécie de "doika") a conduzir programas de assistência, num sistema comunitário, em prestaria contas ao Parlamento Europeu e aos parlamentos nacionais (locais onde o FMI nunca põe o pé). Mas a ideia é que ‘troika’ continue a seguir os países já intervencionados até ao fim dos seus programas - Junho de 2014, no caso de Portugal; 2016, no caso do programa de Chipre, onde o FMI só já entrou com 10% do pacote de financeiro (nos anteriores suportara um terço) já em jeito de saída.
Este relatório apresenta ainda potencial para funcionar como catalisador de uma discussão que será sempre longa e extremamente complexa, ao funcionar como elemento de pressão para que a Europa avance com mecanismos de renegociação que conduzam a um alívio efectivo da dívida acumulada pelos países intervencionados, entre os quais Portugal.
No caso da Grécia, a pressão do FMI (apoiado pela Alemanha) levou a que o segundo empréstimo externo fosse acompanhado, na Primavera de 2012, do perdão pelos credores privados de mais de metade da dívida pública por estes detida (essencialmente bancos e fundos de investimento). Mas há muito que se admite que a dívida grega (e não só) terá de voltar a beneficiar de um segundo perdão, agora por parte dos credores "oficiais" – os Estados e seus contribuintes. Neste processo, a Alemanha, que vai a eleições em Setembro, é o credor mais exposto por ser o principal accionista dos fundos europeus de resgate.

O CASO DA GRÉCIA

Alemanha apoiava receita original do FMI
Por vontade da Alemanha (3º maior accionista do FMI) teria sido o Fundo a gerir o resgate à Grécia - foi a pressão da França e sobretudo do BCE que levou à criação da troika. Logo em 2010, Berlim tentou também desfazer o "mito" de que um país do euro não podia renegociar a sua dívida - que acabou por cair dois anos depois. Desse ponto de vista, este relatório do FMI conforta as teses originais alemãs, mas redobra pressão sobre uma questão hiper-delicada: perdão, agora da dívida grega detida pelos Estados.
"Desacordo fundamental" sobre reestruturação
Bruxelas manifestou o seu "desacordo fundamental" com o "timing" da reestruturação da dívida grega, argumentando que o relatório do FMI "ignora o risco de contágio" que decorreria de se impor em perdas aos credores gregos em 2010, em plena crise financeira e no contexto de uma união monetária. Considera ainda "totalmente errada e infundada" a alegação de Bruxelas não fez o suficiente para identificar reformas estruturais que promovessem o crescimento na Grécia.
BCE não gosta de perdões de dívida
Mário Draghi, presidente do BCE, desvalorizou o relatório, afirmando que não fará muito sentido avaliar decisões tomadas há três anos com base em dados que só hoje se conhecem. Foi, porém, o seu antecessor, o francês Jean-Claude Trichet, quem mais se bateu para que a dívida grega não fosse alvo de qualquer reestruturação aquando do primeiro empréstimo, por temer o efeito de contágio a outros países e que esse processo pusesse termo ao euro como moeda forte e estável.




Crónica triste sobre esta nova era do desemprego.

Por José Manuel Fernandes in Público
07/06/2013

Desenganem-se: em Portugal, como em boa parte da Europa, o desemprego é cada vez mais uma realidade estrutural, não um drama passageiro

Aconteceu-me na rua das Portas de Santo Antão. Um pouco acima do Coliseu e do Politeama. Um homem, na casa dos 50, dirigiu-se-me a perguntar se eu sabia onde poderia encontrar um emprego. Disse-me que viera de Arouca, onde trabalhava nos jardins, e pareceu-me desesperado. Não soube dizer-lhe mais do que sugerir-lhe para perguntar nalguma obra que visse se tinham algum lugar para ele. E não pude deixar de pensar que, lá pela zona de Arouca, no distrito de Aveiro, talvez tivesse mais hipóteses do que aqui por Lisboa. No tempo da minha avó, que nasceu para aquelas bandas mas do outro lado da serra da Freita, mais para Viseu, emigrar para a capital representava a esperança de fugir a um destino de pobreza eterna; hoje fazer um caminho semelhante é antes do mais um acto de desespero. Como adivinhei ser o daquele homem.
As estatísticas do desemprego são terríveis, cada história individual - como esta - é ainda mais terrível, e não há político que não repita intenções ou faça promessas. De uma forma ou de outra, com mais ou menos convicção, todos acreditam que podem fazer alguma coisa contra o desemprego. Que podem mesmo fazê-lo diminuir rapidamente. Enganam-se e enganam-nos. Por muito tocantes que sejam todas as histórias dos homens e mulheres de Arouca, ou de Lisboa, ou de Braga, ou do Algarve, a verdade é que os níveis elevados de desemprego vieram para ficar. Por muito tempo, e não só em Portugal.
Há dois anos, ninguém - repito: ninguém - previa os níveis de desemprego que Portugal hoje conhece. Mais: ninguém pensaria possível que os níveis de desemprego chegassem aos níveis a que chegaram, perto dos 18%, e as ruas não estivessem a arder. Pelo contrário. Folheando os jornais de 2009, 2010, 2011, não é difícil encontrar prognósticos sombrios sobre os tumultos que aí viriam se a taxa de desemprego chegasse aos 10, aos 12 ou aos 15%. Chegou, ultrapassou, e não se concretizaram esses vaticínios. O que sucedeu?
Primeiro, a evolução do desemprego superou as expectativas, pois não se comportou como previam os "multiplicadores" dos macroeconomistas. A recessão destruiu mais empregos do que se esperava porque havia mais empregos em perigo do que se imaginava. Sobretudo na área do comércio e da restauração, até porque abrir esse tipo de pequenos negócios era a nossa forma preferida de empreendedorismo. Portugal chegou a ter quatro vezes mais restaurantes e cafés por cada mil habitantes do que a média europeia. E os portugueses gastavam o dobro de um alemão, em percentagem do seu rendimento, a comer fora. Pequenas alterações dos hábitos de consumo, como as registadas com a crise, revelaram-se fatais para este tecido económico. O mesmo se passou noutras áreas de mão-de-obra intensiva, como a construção civil. A diminuição da actividade económica, ao afectar mais estes sectores, gerou muito mais desempregados do que os modelos macroeconómicos previam. E o problema é que, quando a actividade económica recuperar, se recuperar, não é previsível nem recomendável que voltemos a assistir ao milagre da multiplicação dos pequenos cafés ou à retoma da construção civil, o que significa que dificilmente se absorverá o actual desemprego. Pelo contrário.
No passado mês de Abril, a Galp inaugurou, solenemente, a sua refinaria reconvertida de Sines. Tratou-se do maior investimento industrial de sempre em Portugal: 1,4 mil milhões de euros. A nova refinaria terá um impacto enorme na nossa balança de pagamentos, não porque deixemos de importar petróleo, mas porque passamos de importadores a exportadores de gasóleo. Tudo excelente. Excepto o impacto no emprego: apenas 100 trabalhadores. Nada, ou quase nada.
Este exemplo é revelador sobre os dilemas das economias modernas. Enormes investimentos, mesmo investimentos industriais de fundo, são capazes de ter um grande impacto sobre a competitividade e a balança externa, mas criam pouquíssimos postos de trabalho. Por vezes, até fazem diminuir o número de trabalhadores. O que se passa na Galp passa-se um pouco em toda a indústria, em Portugal como no resto da Europa. É por isso que temos de olhar com alguma frieza para as promessas de "reindustrialização" que agora entraram na linguagem dos nossos governantes e dos governantes europeus: isso pode ser bom para o PIB, mas ter pouco impacto no emprego, e um dos grandes problemas europeus é o desemprego. Basta pensar que só nos últimos quatro anos foram destruídos seis milhões de postos de trabalho em toda a Europa, como esta semana recordou a OIT.
Mas os problemas não estão só na indústria nem só na automação dos processos. Os problemas também estão nos outros sectores, nomeadamente nos serviços, onde a inovação tem levado a aumentos de eficiência que resultam quase sempre em se conseguir realizar o mesmo, ou mais, com menos trabalhadores. Também os sectores mais inovadores das nossas economias, como os ligados às novas tecnologias e às biociências, podendo ser muito rentáveis e gerar importantes volumes de negócio, criam menos empregos que investimentos equivalentes noutras áreas tradicionais - as áreas que já estão saturadas.
Na Europa, há ainda outros factores que dificultam uma maior criação de postos de trabalho. O primeiro é a falta de inovação, uma frente onde perdemos muito para os Estados Unidos. Um segundo factor é o custo relativamente elevado do trabalho e a rigidez laboral. Para fazer um mesmo produto, uma fábrica americana tem mais operários, uma europeia tem mais robots. Parece mais moderno, mas gera os problemas de emprego que conhecemos. O terceiro factor é uma dinâmica demográfica mais desfavorável, que cria uma grande pressão financeira ao gerar muitos custos de protecção social ao mesmo tempo que lhe falta sangue novo e gente mais aguerrida e inovadora a entrar no mercado de trabalho. Não será fácil mudar este estado de coisas.
É sabido que sem um crescimento acima de dois por cento não há criação líquida emprego. Ora isso é cada vez mais uma utopia - em Portugal, em Espanha, em França, até talvez na Alemanha. O que significa que teremos enorme dificuldade em reabsorver o desemprego. O mais provável é, pois, que estejamos a entrar numa era de desemprego crónico. A não ser que mudemos muita coisa no nosso contrato social.
Basta pensar no seguinte dilema. Um pouco por toda a Europa o aumento da esperança de vida e a insustentabilidade dos sistemas de pensões têm levado os políticos a aumentar a idade de entrada na reforma. Não parece haver outra saída face à tradicional separação entre infância e juventude, idade activa e velhice. No entanto, ao ficarem mais tempo num mercado de trabalho que não cresce, os mais velhos não abrem lugares para os mais novos, o que se traduz em taxas de desemprego juvenil recorde. Mas como as economias não conseguem pagar a uma ainda maior população de reformados, qualquer solução parece bloqueada. A não ser que se pense em soluções inovadoras, como a existência de períodos de transição entre a idade activa e a velhice caracterizados por empregos a tempo parcial, com salários mais baixos. Ou seja, a não ser que se pense em novas formas de repartição de um bem que se calhar é mais escasso do que se imaginava - o trabalho remunerado - e se olhe de outra forma para os tempos livres, o lazer e formas de vida menos determinadas, e avaliadas, pela ausência de limites no acesso aos bens de consumo. É uma discussão que vamos ter de fazer.
Os nossos problemas, a começar pelos problemas de emprego, não têm, pois, solução fácil. Nem soluções iguais às do passado. Sobretudo não podemos repetir erros, como os que nos levaram a esquecer a produção e a competitividade e a acreditar que se podia crescer e sustentar o emprego com base no consumo (público e privado), na economia dos serviços e na dívida. Ainda há uma semana, no notável encontro que a Fundação Francisco Manuel dos Santos promoveu para discutir o relatório sobre 25 Anos de Portugal Europeu elaborado pela equipa de Augusto Mateus, Daniel Bessa chamou a esta nossa história europeia "um conto moral". Porque nos diz o que não devemos voltar a fazer, apesar de tantos e tantos quererem recomeçar a fazê-lo.

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