quarta-feira, 22 de maio de 2013

O último Conselho de Estado.Discordando, os conselheiros deram um bom conselho: obrigaram Cavaco a descer à terra.

"O epitáfio de toda esta triste história é o da sua inutilidade. Inutilidade de uma intenção e de uma reunião inconclusiva, da qual saiu um comunicado que roça os limites da irrealidade, que mina o próprio prestígio do Conselho de Estado. Inutilidade de um Presidente? Também, porque o passe de mágica falhou. O tempo e o modo para fazer o que estava certo - procurar consensos para o médio prazo - era outro. O Presidente vai ter que fazer melhor do que invocar a Nossa Senhora de Fátima para sair desta."
Editorial / Público

Discordando, os conselheiros deram um bom conselho: obrigaram Cavaco a descer à terra.


Editorial / Público.

À partida, não se pode dizer que o Presidente não estava a fazer o que devia, ao procurar reunir consensos para uma estratégia nacional dirigida para o médio prazo e para um futuro a que agora é de bom tom designar por pós-troika. Mas o Presidente falhou no seu desiderato de transformar o Conselho de Estado no fórum do qual esses consensos poderiam emanar. E Cavaco Silva é indiscutivelmente o principal responsável por esse falhanço, por três razões. A primeira, a mais grave, é por ter deixado passar o tempo em que esses consensos podiam ter sido feitos, embora sejam claras nesta matéria as culpas do Governo, que optou sempre por seguir o seu caminho, sem passar cartão a ninguém, nomeadamente ao próprio Presidente. A segunda é que o Conselho de Estado não é exactamente o conselho de ministros de Belém. O que se passou na longa noite de segunda-feira, é que o Conselho de Estado, na sua pluralidade, reflectiu o enorme desencanto que existe no país em relação ao Governo e a um Presidente que precisa desesperadamente de ter uma estratégia própria, independente do Governo. Como aqui se escreveu há dois dias, bastava elencar as declarações públicas de grande parte dos membros do Conselho de Estado para compreender que o primeiro-ministro ia ter uma tarde difícil no Palácio de Belém, como acabou por acontecer. Sendo que, como é conhecido, essa contestação pública está longe de se esgotar nos representantes dos partidos de esquerda. E estendeu-se, de acordo com os relatos feito ao PÚBLICO, ao presidente do Tribunal Constitucional, que lembrou a Passos Coelho que o respeito pela Constituição tem que ser a base para qualquer consenso político. O país dividido e inquieto que se exprimiu no espaço reservado do Conselho de Estado nunca sufragaria o Governo; também não legitimou os propósitos de Cavaco Silva.
A terceira causa do falhanço deste Conselho de Estado decorre das anteriores. O Presidente quis dar um "salto quântico" sobre a realidade do presente, das divergências na coligação à crise social, para discutir o futuro como se o presente não existisse. Ou, pior, como se a discussão sobre o futuro permitisse alimentar a ilusão de que a crise do presente estava encerrada. Nesse sentido, pode dizer-se que, discordando, muitos conselheiros de Estado deram um bom conselho ao Presidente, uma vez que o obrigaram a descer à terra.
O epitáfio de toda esta triste história é o da sua inutilidade. Inutilidade de uma intenção e de uma reunião inconclusiva, da qual saiu um comunicado que roça os limites da irrealidade, que mina o próprio prestígio do Conselho de Estado. Inutilidade de um Presidente? Também, porque o passe de mágica falhou. O tempo e o modo para fazer o que estava certo - procurar consensos para o médio prazo - era outro. O Presidente vai ter que fazer melhor do que invocar a Nossa Senhora de Fátima para sair desta.


O Comunicado

Versão final excluiu ponto sobre consenso

1. O Presidente da República reuniu hoje o Conselho de Estado, para efeitos do artigo 145, alínea e), segunda parte, da Constituição, tendo como ordem de trabalhos o tema Perspectivas da Economia Portuguesa no Pós-Troika, no Quadro de uma União Económica e Monetária Efectiva e Aprofundada.
2. Com base em exposição do PR, o Conselho debruçou-se sobre os desafios que se colocam ao processo de ajustamento português no contexto das reformas em curso na UE e tendo em vista o período pós-Troika.
3. No quadro da criação de uma União Bancária, o Conselho analisou a instituição dos mecanismos de supervisão, de resolução de crises e de garantia de depósitos dos bancos, um passo da maior importância para corrigir a actual fragmentação dos mercados financeiros da Zona Euro.
4. O Conselho debruçou-se igualmente sobre a perspectiva do reforço da coordenação das políticas económicas e da criação de um instrumento financeiro de solidariedade destinado a apoiar as reformas estruturais dos Estados-membros, visando o aumento da competitividade e o crescimento sustentável.
5. O Conselho de Estado entende que o programa de aprofundamento da União Económica e Monetária deve criar condições para que a UE e os Estados-membros enfrentem, com êxito, o flagelo do desemprego que os atinge e reconquistem a confiança dos cidadãos, devendo ser assegurado um adequado equilíbrio entre disciplina financeira, solidariedade e estímulo à actividade económica.


O último Conselho de Estado da saison
Por Ana Sá Lopes
publicado em 22 Maio 2013 in (jornal) i online

Cavaco foi sequestrado por Passos e Gaspar, obrigado a coligar-se com a agonia

O que o Presidente da República pretendia do Conselho de Estado não conseguiu – um apoio indirecto ao apoio directo que deu à continuação deste governo em funções. Pela primeira vez em muitos anos, a crispação foi a marca de um Conselho de Estado, a terminar com uma guerra inédita à volta do comunicado final. O Presidente exigiu apagar parte da discussão ao vetar do comunicado final o facto de alguns conselheiros defenderem as eleições antecipadas – e a coisa foi ao ponto de invocar a sua prerrogativa especial de apenas deixar vir cá para fora o que foi publicado na agenda oficial do Conselho de Estado. Como as coisas são como são – e, contra todas as expectativas, a democracia e a liberdade de opinião persistem – rapidamente se ficou a saber que desta vez o órgão de aconselhamento do Presidente da República está disponível para aconselhar, mas recusa-se a apajar.
Inesperadamente para o próprio, a decisão de Cavaco Silva de convocar o Conselho de Estado acabou por se virar contra o Presidente. Convenhamos que discutir o “pós-troika” sem discutir a troika e a crise do país e do governo era qualquer coisa do domínio do exorcismo (que agora voltou a estar na moda lá pela Praça de São Pedro, no Vaticano). Mas foi evidente que parte do Conselho de Estado se recusou a deixar-se exorcizar e bateu o pé ao Presidente, que – dizem as sondagens – já não é de todos os portugueses. Depois da confusão da noite de segunda-feira, é muito provável que o Presidente da República deixe de convocar Conselhos de Estado com agendas bizarras até ao dia em que finalmente se decidir a convocar eleições antecipadas – e aí, por força da lei, tem de voltar a receber os conselheiros em Belém, mesmo que, depois de tudo o que se passou na noite de terça-feira, o venha a fazer a contragosto.
Cavaco Silva foi obrigado a amarrar o seu destino político ao do governo em funções, depois daquele célebre sábado em que Passos Coelho se deslocou a Belém acompanhado de Vítor Gaspar a exigir uma declaração de confiança do Presidente da República. A romagem de Passos a Belém repetiu-se muito pouco tempo depois. As divergências de Cavaco Silva relativamente ao governo – que ficaram patentes no envio do Orçamento do Estado para o Tribunal Constitucional e em alguns discursos públicos – e à condução das políticas europeias ficaram submergidas depois de ter sido sequestrado por Passos e Gaspar, obrigado a coligar-se com a agonia.

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