sábado, 18 de maio de 2013

Co-adopção aprovada em Portugal.

Diferença de cinco votos permite decisão surpreendente. Projecto ainda vai ser discutido na especialidade e haverá votação final global. E para ser realidade, o diploma ainda tem de ser promulgado pelo Presidente da República.

Portugal ficou um pouco mais moderno, mas o debate parlamentar ainda nem começou




O que vai Passos Coelho fazer?


Sem que ninguém esperasse, Portugal tornou-se ontem um pouco mais moderno. Aprovou uma lei que permite aos casais homossexuais estenderem o vínculo de parentalidade do pai/mãe da criança (biológica ou adoptada) ao seu cônjuge. Na prática, se um dos membros do casal morrer, a criança não pode ser retirada ao viúvo/a. Evita-se a dupla orfandade. Serão poucos os casos em Portugal, mas existem e os seus direitos devem ser garantidos.
A inesperada aprovação pode, no entanto, ser desfeita antes do Verão. A lei passou porque houve uma delicada conjugação de factores, a começar pela gestão de expectativas dos deputados da maioria em relação ao resultado. O PSD e o CDS deram liberdade de voto e não mobilizaram os soldados de modo a garantir o chumbo.
E, assim, surgiram os 61 votos que fizeram a diferença: o PCP abriu uma excepção na sua linha de pensamento em relação aos direitos dos homossexuais e votou a favor (12 votos); alguns deputados do PSD votaram a favor (16); houve abstenções no CDS (3) e muitas faltas (28). A aprovação de ontem foi conseguida com uma margem mínima de cinco votos.
A matemática é simples e mostra que na votação final o resultado pode ser outro. Ontem mesmo, deputados da coligação deram sinais de que vão começar a trabalhar, persuadindo quem se absteve a votar contra e quem faltou a não falhar o próximo voto. No CDS já se equaciona pedir uma fiscalização sucessiva.
Todos sabem o que o primeiro-ministro pensa sobre o tema: Passos Coelho é a favor da lei. Entre os 16 deputados sociais-democratas que votaram a favor, estão alguns dos seus amigos mais próximos. Passos pode não fazer nada. Ou pode ajudar a que os conservadores do Parlamento não façam Portugal dar um passo atrás.
Editorial / Público



Co-adopção: uma surpresa que a maioria PSD/CDS não quer repetir

Por Nuno Sá Lourenço e Rita Brandão Guerra in Público
18/05/2013

Aprovação do projecto do PS na generalidade provocou grande desconforto no PSD e no CDS. À direita, já se prepara o terreno político para a votação final global. Socialistas estão confiantes no avanço da lei

O Parlamento ficou ontem em sobressalto depois de aprovar um projecto de lei que prevê a co-adopção por casais do mesmo sexo, com 99 votos a favor, 94 contra e nove abstenções. A maioria parlamentar não escondeu a sua surpresa e no PP havia quem não escondesse a irritação. O processo legislativo, porém, ainda não está concluído e nas bancadas que apoiam o Governo a surpresa de ontem poderá não se repetir na "decisiva" votação final global. No CDS houve mesmo quem alertasse para questões de constitucionalidade. "Este projecto restringe os direitos de adopção para alguns homossexuais", avisava um centrista, para depois invocar os princípios da igualdade e das leis gerais e abstractas. O vice-presidente do CDS, Nuno Melo, deu mais um passo em diante, ao avançar que, no caso de a lei chegar a entrar em vigor, "alguns deputados do CDS ponderam pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade".
Havia uma "orfandade na lei" que não acolhia o superior interesse da criança. Foi este o argumento político usado pela deputada do PS Isabel Moreira, para pedir a aprovação do projecto de lei. O retrato real de uma família ajudou a ganhar votos à direita: "Basta imaginar uma criança, educada por dois homens casados, até aos dez anos, morrendo nessa data o pai biológico num acidente. Aquela criança, que não distingue a nenhum nível qualquer dos pais, não tem, no entanto, o mais ténue vínculo jurídico com o, para si, pai sobrevivente. Pode mesmo vir a ser arrancada dos seus braços", disse Isabel Moreira. A lei passa a contemplar que quando duas pessoas do mesmo sexo sejam casadas ou vivam em união de facto, exercendo uma delas responsabilidades parental sobre um menor, quer por via da filiação quer da adopção, o cônjuge ou o unido de facto possa co-adoptar a criança.
No rescaldo da votação, muitos deputados do PSD e do CDS assumiam - alguns abertamente, outros em surdina - que a aprovação foi inesperada. Hugo Soares, líder da JSD e que votou contra, reconheceu ao PÚBLICO que no interior das bancadas da direita "havia a percepção de que a co-adopção poderia ter mais votos" do que no ano anterior: "Mas ninguém se deu ao trabalho de contar os votos todos. Ninguém parou para pensar", admitiu o deputado.
Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e que já em 2012 havia votado favoravelmente, admitiu não ter feito a "monitorização" dos votos. "Esta era uma questão de consciência e não quis dar azo a influências", afirmou.
Também o centrista Ribeiro e Castro reconheceu que, de uma certa forma, a votação foi surpreendente, apesar da percepção da tendência nos "últimos dias". Mas o que reconheceu taxativamente foi a "incompetência política das direcções" da maioria. "Dois partidos que têm uma posição afirmada na matéria, com mais 34 deputados do que a oposição, só perdem uma votação porque querem ou por incompetência", precisou. Um outro deputado, do PSD, confirmou que no maior partido da coligação "não se estava à espera" deste resultado. E apresentava duas razões para o desfecho: "Houve gente que votou a favor pensando que não passava. E houve pessoas que faltaram e não deviam ter faltado", criticou. Votaram 202 dos 230 deputados à Assembleia da República, sendo que, dos 28 ausentes, 16 são parlamentares do PSD.
No CDS, a irritação era clara. "18 votos a favor no PSD... Eles é que viraram isto", desabafava um centrista, que apontou "falhas acentuadas" na gestão deste processo. Ainda assim, um elemento da presidência da bancada do PSD tentava justificar. "Nós sabíamos quem ia votar a favor no PSD. Não sabíamos era nos outros grupos parlamentares. Nos projectos de adopção [BE e PEV] não havia expectativa de passarem, mas no da co-adopção sabíamos que podia acontecer. E o PS, desta vez, votou a favor em massa", disse esse responsável do PSD. E a verdade é que ontem, de dentro da direita, já vinham recados à navegação. "A votação final global é que é decisiva. E nesta votação faltaram 16 deputados do PSD que estavam em missões oficiais", alertava Hugo Soares.
Mas do lado do PS, horas depois, o lema continuava a ser "confiança", "postura de humildade" e "total abertura" para melhorar o diploma e acolher sugestões, segundo Isabel Moreira.
Direitos pela metade

A mudança de posição do PCP, face ao ano passado, foi justificada pelo líder parlamentar Bernardino Soares com o facto de os comunistas não ignorarem as famílias já constituídas e para as quais é preciso dar abrigo legal. Mas com a ressalva de que esta é uma questão sobre a qual os comunistas "não têm uma posição fechada". Era assim justificada a abstenção do PCP face a mais três projectos de lei - dois do BE e um do PEV - que propunham a adopção plena.
Do BE, Cecília Honório criticou os "direitos pela metade dos homossexuais" e num tom mais duro, que irritou o PSD, pediu o "fim da hipocrisia e do preconceito" e das opções sexuais dos pais como critério para adoptar. Também Heloísa Apolónia, do PEV, focou a protecção do "superior interesse da criança".
Mas a hipótese de esse ponto não estar a ser ponderado pelo PSD e pelo CDS foi descartada pela maioria. Carla Rodrigues, do PSD, alegou que "a defesa dos direitos humanos está no património genético do PSD", sublinhando que é natural que haja "dúvidas" numa matéria tão sensível. Já Teresa Anjinho, do CDS, argumentou que a adopção se destina a proteger a criança e não o candidato à adopção.


Co-adopção aprovada ainda pode ser chumbada na votação final

Por Luís Claro
publicado em 18 Maio 2013 in (jornal) i online

Não é certo que projecto-lei tenha sucesso no parlamento. Os 21 deputados da maioria ausentes na votação podem virar resultado

Os defensores da co-adopção ganharam uma batalha, mas estão longe de ganhar a guerra. A ausência de 27 deputados na votação, na generalidade, do projecto-lei dos deputados do PS (ver páginas 30 e 31) pode comprometer a aprovação do diploma na votação final global.
Não é fácil fazer as contas, já que o PSD e o PS deram liberdade de voto, mas os deputados da maioria que se opõem à co--adopção acreditam que muitos dos que estiveram ausentes são contra e podem alterar o resultado. Só no PSD faltaram à votação 16 dos 108 deputados, no PS faltaram dez e no CDS apenas um. Dos parlamentares social--democratas que estiveram ausentes, 13 estão em missão parlamentar fora do país e os outros três faltaram.
“Se estivessem presentes todos os deputados é quase certo que o resultado seria outro”, diz ao i um social-democrata que votou contra. Entre os sociais-democratas fazem-se contas e a convicção é que a maioria dos faltosos são contra a co-adopção.
As contas não podem, porém, ser feitas sem contar com os socialistas. As dez ausências na bancada do PS – cinco por estarem em missão parlamentar – podem igualmente reforçar o apoio ao projecto, embora também haja deputados que estão contra. Vitalino Canas, por exemplo, que está em missão parlamentar, votará contra.
Isabel Moreira, uma das autoras do projecto-lei que foi aprovado na generalidade, admite que o resultado da votação final global “pode ser diferente”, mas lembra que também não estiveram presentes “alguns deputados do PS”. “Em tese tudo é possível. Há o risco para um lado e para o outro”, diz ao i a constitucionalista.
A aprovação do projecto-lei da co-adopção provocou estragos nas bancadas do PSD e do CDS. O deputado e ex-líder dos centristas Ribeiro e Castro acusa as direcções das bancadas da maioria de “clara incompetência política”. “Só perdemos por incompetência e falta de coordenação. Numa questão fundamental como esta só se perde uma votação por manifesta incompetência política das duas direcções. Foi a primeira derrota da maioria no parlamento. Não sei se será a última”, diz ao i Ribeiro e Castro, criticando “algumas trapalhadas que estão a causar grande desconforto”.

No PSD o ambiente também era de alguma revolta entre os parlamentares que votaram contra. Os deputados lamentam que a direcção da bancada “não se tenha preocupado com fazer as contas” e com “assegurar que a posição do partido não sairia fragilizada”. O diploma foi aprovado com 99 votos a favor, 94 contra e nove abstenções.