terça-feira, 21 de maio de 2013

As críticas, agora directas e frontais a Barroso e à actuação da Comissão Europeia, feitas pela Alemanha.



Austeridade: o que levou a Alemanha a virar-se contra a troika e a Comissão Europeia

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas in Público.
21/05/2013

Berlim insiste na disciplina orçamental, mas censura o aumento dos impostos e defende a derrogação da aplicação de regras comunitárias em países sujeitos a programas de ajustamento, como Portugal.


As críticas formuladas na semana passada por altos responsáveis alemães contra o tipo de austeridade que está a ser imposto a Portugal, Grécia e Irlanda pelas instituições da troika provocaram um choque na equipa de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, mas foram consideradas pertinentes nos países ajudados e mesmo nalguns sectores em Bruxelas.

O negociador de um dos países intervencionados pela troika confessou, aliás, ao PÚBLICO um certo "alívio" por constatar que "em Berlim há consciência do que se está a passar" no terreno.
As críticas, expressas por altos responsáveis alemães mediante anonimato e publicadas pelo PÚBLICO e pelo El País de 16 de Maio, traduzem acima de tudo um profundo cansaço dos alemães por serem sistematicamente apontados como a causa da recessão económica e do aumento do desemprego, sobretudo juvenil, para níveis astronómicos nos países periféricos.
Berlim não mudou de discurso nem de convicção de que a saída da crise da dívida não se fará com mais endividamento, mas por via da disciplina orçamental associada a reformas estruturais destinadas a reforçar a competitividade da Europa. O ligeiro matiz introduzido nas últimas semanas no discurso alemão tem sobretudo a ver com a concessão de mais dois anos além do prazo previsto para a Espanha e França corrigirem o respectivo défice orçamental, na condição, no entanto, de não abrandarem as reformas económicas.
Mas, apesar de manterem o discurso da rectidão orçamental, os responsáveis alemães fazem questão de se demarcar das receitas que estão a ser impostas a Portugal, Grécia e Irlanda pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), encarregada de negociar e acompanhar a execução dos seus programas de ajustamento.
Berlim insurge-se particularmente contra a redução dos défices por via dos aumentos de impostos, uma receita considerada errada, por afectar particularmente os mais desfavorecidos e matar o crescimento económico.
Um dos exemplos citados por um alto responsável alemão como totalmente contraproducente refere-se ao aumento do IVA imposto pela troika para o sector do turismo na Grécia, sem ter em conta a baixa fiscalidade praticada na Turquia vizinha e concorrente directa de Atenas enquanto destino de férias.
Berlim acusa igualmente os dirigentes das instituições da troika de afirmarem publicamente que os programas de ajustamento não podem funcionar, mas continuarem a recusar admitir desvios na receita imposta e, sobretudo, de não assumirem a responsabilidade pelos erros cometidos.
As críticas são particularmente duras contra a Comissão Europeia e o seu presidente. Parte dessas críticas feitas mediante anonimato foram, aliás, expressas publicamente no dia seguinte por Wolfgang Schäuble, quando, durante um debate na presença de Durão Barroso, avisou a Comissão de que tem de ser mais eficaz na gestão da saída da crise.
Os Governos alemães nunca tiveram uma relação fácil com a Comissão, para onde sempre enviaram, aliás, comissários de segunda linha. Apesar disso, e apesar do "esclarecimento" pedido a Berlim por Barroso que levou o porta-voz da chanceler, Angela Merkel, a sublinhar o bom entendimento entre ambos, nunca as relações entre Berlim e Bruxelas pareceram tão tensas como hoje.
"Os programas estão mal concebidos", confirmou ao PÚBLICO um responsável europeu, sublinhando que os programas de Portugal e Grécia têm três erros em comum: não têm em conta o facto de os dois países não poderem desvalorizar a moeda por estarem numa união monetária, não integram a recessão económica no resto da zona euro que os impede de sair da crise pelas exportações e ignoram a quebra do investimento resultante da situação catastrófica de muitos bancos.
Estes erros de concepção são reforçados pela rigidez da Comissão na interpretação das regras europeias, afirma o mesmo responsável europeu, secundando, nos mesmos termos, as críticas alemãs.
Berlim tem vindo a defender que os países sob programa de ajuda deverão beneficiar de uma derrogação temporária às regras europeias, sobretudo em matéria de política de concorrência e de fundos estruturais (de apoio ao desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas) para poderem adoptar medidas de apoio ao crescimento económico. Segundo um alto responsável alemão, a Comissão e o seu presidente recusam.
Portugal e Grécia têm, aliás, uma longa lista de exemplos desta rigidez. Segundo o responsável europeu já citado, os serviços da concorrência têm vindo a travar a privatização de algumas empresas que beneficiaram de ajudas de Estado, ameaçando-as com o risco de terem de devolver os montantes recebidos.
Portugal está igualmente desde 2011 a tentar convencer a Comissão a aceitar "reprogramar" (transferir) 200 milhões de euros dos fundos agrícolas para o fundo de coesão (infra-estruturas) destinados ao financiamento da rede secundária de rega da barragem de Alqueva. A medida permitiria ao país absorver parte da folga aberta no fundo de coesão pelo abandono do TGV e libertar simultaneamente os 200 milhões nos fundos agrícolas para incentivar o investimento agrícola, nomeadamente de jovens agricultores.
A negociação dura há dois anos, por enquanto sem grandes resultados, em resultado da mesma insistência no cumprimento das "regras" que enfurece Berlim.


Se nada de substancial mudar, só um milagre poupará Portugal a um segundo acordo com a troika.

Editorial / Público
Há um ano, poucos ousariam pensar que as taxas de rendibilidade dos títulos da dívida pública portuguesa trocados no mercado secundário pudessem estar abaixo dos 5% a cinco anos e pouco acima dos 5,2% a dez anos. A garantia do Banco Central Europeu de que estaria disposto a intervir no mercado para comprar títulos de países sujeitos a um programa especial foi, porém, capaz de superar as agruras do défice ou as dores da recessão e colocou a situação da dívida pública portuguesa no seu melhor momento desde Agosto de 2010. No dia em que o Conselho de Estado discute o país pós-programa da troika, esta situação dos mercados poderia servir para se acreditar que no Verão do próximo ano Portugal terá de novo resgatado a sua soberania financeira. Esse, porém, é um cenário no qual acreditam os que encaram as finanças como uma série de números dispostos em colunas sem qualquer relação com a economia. Como ontem lembrou Silva Lopes, a gigantesca dívida pública nacional já é dificilmente gerida com taxas na ordem dos 3% cobradas pela troika, pelo que não se "imagina" ao certo como poderá ser sustentada com as taxas mais elevadas que, tudo o indica, serão cobradas pelos mercados. Se nada de substancial mudar, como também lembrava ontem Silva Lopes, no final de 2014 Portugal poderá ficar mais bem protegido sob a égide de um segundo programa de ajustamento do que entregue às leis implacáveis do mercado. Enquanto o investimento produtivo se mantiver em níveis de uma economia em depressão, enquanto o Governo não for capaz de animar o clima de confiança das empresas, enquanto os portugueses se sentirem reféns indefesos de um programa que só lhes garante austeridade e desesperança, o horizonte dos mercados na era pós-2014 será apenas uma miragem. Ou algo muda radicalmente na economia e na Europa, ou só um milagre nos livrará da troika.




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