sexta-feira, 22 de março de 2013

Guerra de petições a favor e contra “regresso” de Sócrates.


Guerra de petições a favor e contra “regresso” de Sócrates

Por Hugo Torres

21/03/2013 in Público



A cada hora, são aos milhares os novos subscritores da petição contra a presença regular do ex-primeiro-ministro na RTP. Em resposta, surgiu uma petição a favor.
José Sócrates terá um programa de comentário político na RTP, a partir de Abril.
A novidade na grelha da estação pública foi revelada nesta quinta-feira e as reacções populares não se fizeram esperar. A que está a ter mais impacto é uma petição online que ultrapassou, em poucas horas, os 20 mil signatários e continua a registar novas assinaturas a bom ritmo.
A presença regular do antigo governante socialista na emissão do canal público não é bem-vista por quem subscreve o texto desta petição. “Nós, cidadãos e contribuintes portugueses, declaramos por este meio que recusamos a presença do ex-primeiro-ministro José Sócrates em qualquer programa da RTP”, começa por ler-se.
O texto é curto, mas inclui ataques a José Sócrates nas duas frases do seu único parágrafo. Numa, acusam-no de “má gestão” e de ser o culpado pela situação dos “contribuintes que sofrem”. Noutra, de “actos de despesismo e gestão danosa”. Os autores da petição temem que estes “actos” sejam alvo de “branqueamento” pelo próprio na RTP.
“Recusamos liminarmente o branqueamento das acções deste senhor através da TV dos actos de despesismo e gestão danosa, que fez com este país andasse para trás, e não para a frente”, lê-se ainda. Os subscritores lembram, como agravantes, que a RTP “é paga com dinheiros públicos dos contribuintes que sofrem do resultado da má gestão deste senhor”.
Paulo César Lála de Freitas e Rui Alexandre Parente Rosa Moreira são os primeiros signatários numa lista que não pára de crescer. A cada hora, os novos subscritores contabilizam-se aos milhares. O documento é dirigido aos deputados da Assembleia da República e ao presidente da administração da RTP, Alberto da Ponte.
O primeiro subscritor, Paulo Freitas, sublinhou ao PÚBLICO que "a petição é fruto do que muitos portugueses sentem e pensam, que não concordam com a vinda do ex-primeiro-ministro para comentador, depois de ter sido precursor de políticas despesistas, que levaram o país a pedir um resgate internacional". "Perante esta situação, é inadmissível que sejam tolerados em televisão pública, paga por todos os contribuintes, comentários de alguém que já provou não ter capacidade para governar", acrescentou ainda este operador portuário, de 33 anos, numa declaração por escrito.
Em defesa do contraditório

Entretanto, “um grupo de cidadãos” lançou uma segunda petição, “a favor da presença de Sócrates na RTP”, lembrando “um princípio fundamental” de um “Estado democrático e de Direito”: “o princípio do contraditório, o princípio da defesa quer do bom nome quer das opções tomadas”. O número de signatários era, às 15h45 desta quinta-feira, de 686 – um número muito aquém dos 37.138 que, à mesma hora, subscreviam a petição contrária.
“[F]ace aos ataques que têm sido feitos, nomeadamente por este Governo, encontrando um ‘bode expiatório’ para encobrir todo o seu falhanço, e a ausência atroz de contraditório que reponha a verdade dos factos (o que significa reconhecer os erros que foram feitos mas também os benefícios nos vários domínios que foram alcançados), defendemos que é de todo o direito e interesse que o principal visado tenha a oportunidade de se defender”, lê-se neste segundo documento. O “principal visado” é José Sócrates.
“Acreditamos que vivemos num Estado democrático, cujos valores devem ser defendidos e praticados”, continua o texto, para logo a seguir sublinhar a actualidade da famosa citação “Não concordo com o que diz, mas defenderei até à morte o seu direito de o dizer”, que atribui erradamente a Voltaire, como é comum – a sua autora é, na verdade, a inglesa Evelyn Beatrice Hall, que no início do século passado escreveu uma biografia do filósofo francês, onde essa frase se encontra como uma ilustração do pensamento de Voltaire.
O “regresso” de Sócrates é também um dos temas em debate nas redes sociais. No Twitter, a conversa – que decorre a um ritmo em que é possível acompanhá-la na íntegra – está centrada na hashtag #Sócrates. No Facebook, foram já criadas três páginas, três grupos abertos e dois eventos com a mesma finalidade – protestar contra a futura presença semanal de Sócrates na RTP –, mas sem grande adesão até ao momento da publicação desta notícia.
A novidade na grelha da RTP foi avançada pelo Diário de Notícias, adiantando que Sócrates não receberá qualquer remuneração. A informação foi confirmada ao PÚBLICO pelo director de Informação da RTP, Paulo Ferreira: “Confirmo que José Sócrates e Nuno Morais Sarmento vão ter um programa de comentário político, em horário nobre, a partir de Abril".
Sócrates – que tem estado em Paris desde que saiu do Governo, em Junho de 2011 – e Morais Sarmento, ministro nos Governos PSD/CDS liderados por Durão Barroso e Santana Lopes, terão programas semanais com formatos semelhantes, mas em dias diferentes. Os comentadores deverão falar durante 25 minutos, a seguir ao Telejornal.



Regresso de Sócrates é "decisão estudada" para o contraditório

Por Nuno Sá Lourenço

22/03/2013

Ex-membros do órgão regulador para a comunicação social alertam para a "originalidade portuguesa" de ter políticos a comentar políticos. Mas há quem considere bom para a democracia o futuro programa
"Os políticos profissionais não regressam ao seu país por acaso." A frase é do politólogo António Costa Pinto, que o PÚBLICO apanhou ontem, curiosamente, a meio da leitura de um livro recentemente publicado denominado Former Leaders of Modern Democracies. O livro aborda a forma como alguns dos ex-líderes políticos das democracias ocidentais gerem o período posterior ao exercício de funções executivas.
Segundo Costa Pinto, o estudo revela a tendência para que alguns líderes "voltem aos seus lugares no sistema político". Daí que para este politólogo não seja inocente este regresso à ribalta do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Para Costa Pinto, esta foi uma "decisão estudada" e, provavelmente, já com "uma estratégia política definida".
Se este regresso antecipa o retorno à luta política, já parece ser mais difícil de assumir. O também polítologo José Adelino Maltez - que saúda a contratação da RTP como um "bom sinal" para a democracia - considera que "tudo é possível". "Se sentir o interesse da parte de quem o ouve", observa. Ainda assim, entende que a entrada de Sócrates no campo do comentário político tem a vantagem de permitir o "contraditório" no debate.
Já António Costa Pinto insiste na ideia de que Sócrates "estratégia terá com certeza, mas nem ele sabe qual será a estrutura da oportunidade política". E lembra que a notícia se soube "a pouco tempo do congresso do PS". Maltez segue na mesma linha. As consequências políticas deste regresso "dependem da dinâmica do jogo político". Nele o politólogo vê uma vantagem para Sócrates e diz com alguma ironia: "Ele dispõe neste momento de um dos maiores grupos parlamentares em São Bento." Augusto Santos Silva, ex-ministro da Defesa de Sócrates, evitou futurologias. Mas reconheceu que não seria a primeira vez, nos mais variantes quadrantes, que o "comentário político seria utilizado como trampolim".
Uma possibilidade que encaixa na perfeição com alguns dos sinais premonitórios lidos por Costa Pinto: "Em Portugal só agora começamos a chegar a um ponto em que temos ex-líderes relativamente jovens. No caso português, já temos alguns casos e esse problema coloca-se de forma relativamente candente."
E, no entanto, houve quem visse neste episódio a confirmação da "perversidade" instalada nos media portugueses. Sebastião Lima Rego, ex-membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social, lembrou que a chamada de Sócrates para o comentário vai contra o princípio de este espaço "dever ser ocupado por especialistas independentes". "Os políticos têm interesses imediatos na contenda política", afirmou ao PÚBLICO para depois classificar a situação como uma "demissão do jornalismo político e um empobrecimento do debate".
Uma posição semelhante à de Estrela Serrano, antigo membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. "É uma originalidade portuguesa", classificou Serrano, referindo-se ao facto de os órgãos de comunicação social permitirem "estes espaços que são os políticos que geram e sobre os quais têm total autonomia". E acrescenta: "Estranho que os jornalistas cedam espaços que correspondem quase a tempos de antena."
As hostes socialistas nem sequer tentaram esconder o entusiasmo com a notícia. André Figueiredo, deputado que exerceu funções na direcção partidária de José Sócrates, considerou a novidade "uma excelente notícia para o país". Por Sócrates trazer consigo a "grande capacidade de defender o país e os portugueses". "E demonstra a grande tranquilidade dele em relação aos resultados da sua governação", acrescentou. O também deputado Renato Sampaio destacou o "contributo como cidadão" para o debate no país. E Augusto Santos Silva considerou a novidade como "uma coisa normal". E "o conjunto da opinião publicada tem de se conformar com a normalidade das coisas", rematou, ao comentar algumas reacções mais negativas ao regresso.
O regresso ao palco mediático do antigo primeiro-ministro teve, entretanto, como consequência imediata uma batalha peticionária online. O repúdio pela entrada do ex-líder no painel de comentadores da estação pública ganhou visibilidade através de uma petição online, sob o lema "Nós, cidadãos e contribuintes portugueses, declaramos por este meio que recusamos a presença do ex-primeiro-ministro Sócrates em qualquer programa da RTP". Chegou às dezenas de milhares de signatários rapidamente.
A resposta surgiu poucas horas depois com uma outra petição online que defendia "o princípio do contraditório, o princípio da defesa quer do bom nome, quer das opções tomadas". Esta última com um número de signatários bem mais reduzido.
As reacções não se fizeram esperar no mundo político. O seu sucessor na liderança do PS, António José Seguro, considerou "normal" o novo papel de Sócrates: "Isso é um critério que as televisões portuguesas têm e decidem."
Da parte do Governo, a resposta chegou do secretário de Estado Marques Guedes: "O Governo não tem rigorosamente nada que ver com os conteúdos informativos dos órgãos de comunicação social."
Mas houve quem revelasse maiores dificuldades em digerir a novidade. O CDS anunciou que iria pedir esclarecimento ao director de informação da RTP. Horas antes, o centrista Ribeiro e Castro - que subscreveu a petição contra o regresso - classificara a decisão da estação pública como "uma completa insensatez": "Está mais em tempo de responder pela situação muito difícil em que o país está do que em tempo de comentar."
Uma polémica generalizada, portanto, que forçou Paulo Ferreira, director de Informação da RTP, a citar Voltaire. "Não posso deixar de citar aquela máxima de Voltaire que, em meu entender, diz tudo o que há a dizer sobre liberdade de expressão. "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo", escreveu no Facebook.

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