quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Retrato de um País ....07/12/2011




UNESCO: barragem do Tua tem "impacto irreversível" no Património Mundial

Por José Augusto Moreira in Público

Relatório de missão consultiva realizada em Abril deste ano já foi remetido ao Governo de Passos Coelho em Agosto, mas permanece no silêncio dos gabinetes

O Comité do Património Mundial da UNESCO considera que a construção da barragem de Foz Tua tem um "impacto irreversível e ameaça os valores" que estão na base da classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial. Esta é uma das conclusões do relatório da missão consultiva que, a solicitação do Governo português, visitou o local no início de Abril e que aponta ainda para outros impactos negativos e graves do empreendimento. O documento foi produzido pelo Icomos, uma associação de profissionais da conservação do património que é o órgão consultivo daquele comité da UNESCO.
O relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, foi concluído em finais de Junho e remetido ao comité, que o enviou depois para as autoridades portuguesas já em Agosto, por protocolo diplomático, via Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas permanece ainda no segredo os gabinetes, não sendo conhecida qualquer reacção ou resposta do Governo.
Além de analisar os impactos e as consequências do avanço da obra para a área de paisagem classificada como património da humanidade, o relatório critica também duramente o comportamento das autoridades portuguesas. A este propósito sublinha que, durante todo o processo de análise e aprovação do projecto da barragem, o Estado português não adoptou os procedimentos a que está obrigado perante a UNESCO no âmbito da classificação obtida há dez anos, que se cumprem já no dia 14 deste mês.
"Cremos que as orientações da UNESCO, recomendando "relatórios específicos e estudos de impacto de cada vez que ocorram circunstâncias especiais", não foram seguidas, já que "toda a informação deve ser fornecida o mais rapidamente possível e antes da tomada de decisões que se possam tornar difíceis de reverter", para que o comité possa participar na procura de soluções que assegurem a completa preservação dos valores protegidos", lê-se no documento.
Quanto às conclusões, o relatório não deixa também margem para dúvidas: "Tendo em conta a proposta do Estado com vista ao desenvolvimento da barragem de Foz Tua localizada na paisagem cultural do Alto Douro Vinhateiro, não podemos deixar de concluir que terá um impacto irreversível e ameaça o valor excepcional universal [que é o fundamento da classificação da UNESCO]."
Apesar dos esforços das autoridades portuguesas e da EDP (a dona da obra) para minimizar os impactos, através de várias alterações ao projecto, o relatório nota que nunca os estudos de avaliação "levaram em conta os impactos nos bens culturais protegidos". Por isso, conclui, "não se pode considerar que a revisão dos planos respeite a paisagem do Alto Douro que foi inscrita na lista do Património Mundial".
O relatório socorre-se do próprio projecto da obra para referir que o vale do Tua "tem um alto valor ecológico e cenográfico" associado aos parâmetros culturais e biofísicos que caracterizam a estrutura dinâmica da região, o que leva irremediavelmente à conclusão de que "tudo isto contribui para que o avanço do projecto tenha um impacto adverso e irreversível nos valores de autenticidade e integridade e interesse universal" da região.

Classificação em risco
O pedido para a vinda de uma missão consultiva por parte do Estado português insere-se no âmbito das suas obrigações perante a UNESCO, deduzindo-se do teor do relatório que terão sido invocados vários argumentos a favor da ideia de não violação dos valores da classificação como Património Mundial. Um deles seria o de que o efeito da intervenção seria idêntico ao da construção das outras barragens já existentes ao longo do Douro. Um argumento que é liminarmente rejeitado, já que "o passado não é um meio adequado para justificar acções presentes". Já quanto à invocação de que a obra está já fora da área classificada - fica no limite -, a conclusão é de que "afecta inteiramente os valores Património Mundial".
Outro argumento era o do reduzido impacto visual face às características daquela zona do vale do Tua, mas o relatório considera que, mesmo concordando com a ideia, o conjunto da barragem e das restantes estruturas, incluindo as linhas para o transporte de energia, representam um impacto fortemente negativo. Quanto ao facto de o projecto ter sofrido várias alterações e incluir uma série de medidas para mitigar e compensar os impactos ambientais, a conclusão é a de que essa não é a questão que importa analisar: "O que é preciso saber é antes se a barragem deve ser construída."
Outro dos argumentos utilizados pelo Estado português terá sido o de que a barragem será uma construção "elegante e de escala monumental" - a EDP divulgou recentemente que encomendou ao arquitecto Souto Moura o projecto da central hidroeléctrica -, mas a conclusão é a de que "representa um forte impacto para a Região do Alto Douro Vinhateiro, que pode implicar a perda do seu valor excepcional universal e uma séria ameaça para a sua autenticidade e integridade".
A este respeito refira-se que nos últimos anos se registaram dois casos em que a UNESCO retirou a classificação de Património Mundial. O mais recente foi o centro histórico da cidade alemã de Dresden, em 2009, devido à construção de um viaduto. Cerca de um ano antes, também a foi retirada a classificação a um sítio natural do emirado de Omã. Aqui foi o próprio Estado árabe a pedir a saída por causa da exploração de petróleo no local.
No caso do Tua, tudo indica que o relatório que está agora na posse do Governo será analisado durante a próxima reunião anual do Comité do Património Mundial da UNESCO, que costuma realizar-se em Junho ou Julho. Isto, se até lá não forem adoptadas medidas para alterar a situação.
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Enquanto aguardamos pelo Aterro da Boavista ... vale a pena irmos meditando sobre a maneira de como os nossos processos de decisão no que respeita os insubstituíveis Patrimónios Arquitectónico e Natural são desenvolvidos ...
Pois, Património "Imaterial" é mais fácil ...
Será que precisamos de uma "Troika"... para a defesa do Património Nacional ?
António Sérgio Rosa de Carvalho.

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